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Descriminalização da maconha: voto de Toffoli adia desfecho de julgamento no STF

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O Supremo Tribunal Federal (STF) segue sem uma decisão no julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo, que foi retomado na quinta-feira (20/6).

O julgamento, iniciado em 2015 e diversas vezes interrompido por pedidos de vista, não analisa a legalidade da venda de drogas, que continuará proibida independentemente do resultado.

Até o momento, foram cinco votos favoráveis à descriminalização apenas no caso da maconha: Gilmar Mendes (relator da ação), Luís Roberto Barroso (atual presidente do STF), Rosa Weber (já aposentada), Edson Fachin e Alexandre de Moares.

Esses ministros entenderam que trecho da atual Lei de Drogas é inconstitucional ao tratar o porte desse entorpecente como crime.

Outros quatro ministros votaram pela constitucionalidade desse trecho, mas houve argumentos diferentes. Três deles — Cristiano Zanin, André Mendonça, Kassio Nunes Marques — entenderam que a criminalização é constitucional.

Já Dias Toffoli, que votou nesta quinta-feira, disse entender que a lei atual já não trata o porte para consumo como infração penal, já que as punições previstas atualmente têm caráter administrativo.

O crime de porte para consumo já não é punido com pena de prisão no país desde 2006, com a sanção da atual Lei de Drogas. Caso a descriminalização seja aprovada no STF, a pessoa que portar entorpecentes para consumo próprio não poderá mais ser submetida a outras punições atualmente em vigor, como prestação de serviços à comunidade ou comparecimento a programa ou curso educativo, nem terá um registro na sua ficha criminal.

Além de decidir sobre a descriminalização do porte para consumo, o STF também está analisando a fixação de parâmetros para diferenciar usuário e traficante.

Também não há ainda consenso nesse ponto. Por enquanto, há quatro votos — Mendes, Moraes, Barroso e Weber — para estabelecer o parâmetro de 60 gramas ou seis plantas fêmeas como limite para o porte para consumo. Ou seja, quantidades acima disso seriam enquadradas no crime de tráfico.

Zanin e Nunes Marques propuseram posicionaram por um limite menor, de 25 gramas, enquanto Mendonça sugeriu 10 gramas.

Fachin, por sua vez, considerou que cabe ao Congresso fixar esse limite, e Toffoli disse que poderia ser definido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O objetivo de estabelecer parâmetros é evitar que pessoas com a mesma quantidade de maconha sejam tratadas de forma diferente pela polícia ou a Justiça, defenderam ministros favoráveis à medida.

“Na falta de critério, a mesma quantidade de drogas nos bairros mais elegantes das cidades brasileiras é tratada como consumo e, na periferia, é tratada como tráfico. O que nos queremos é acabar com essa discriminação entre ricos e pobres, basicamente entre brancos e negros”, disse Barroso.

Segundo levantamento citado por Moares, a partir do volume médio de apreensão de drogas no Estado de São Paulo entre 2006 e 2017, alguém negro, analfabeto, de 18 anos de idade costuma ser enquadrado com traficante ao portar apenas 20 gramas de maconha. Já uma pessoa branca, com curso superior, na faixa de 30 anos só costuma ser enquadrada com traficantes quando porta 60 gramas.

Os ministros ressaltaram em seus votos, porém, que eventuais parâmetros a serem adotados serviriam como uma referência básica, podendo o juiz considerar o indivíduo como usuário, mesmo que esteja com quantidade maior, ou ainda enquadrá-lo como traficante, mesmo que tenha quantidade menor.

Isso dependeria de outros elementos que corroborem para o crime de tráfico, como apreensão de armas ou balança para pesar drogas, por exemplo.

“Está havendo uma deturpação dos votos e da discussão no Supremo Tribunal Federal. É muito fácil deturpar as informações aqui trazidas a fim de tentar jogar a sociedade contra o Poder Judiciário, dizendo que vão fixar 20 gramas ou 60 gramas, e aí o traficante formiguinha vai lá na boca de fumo e vende três gramas, quatro gramas. Ninguém está dizendo aqui que não será tráfico se, além da gramatura, outros elementos existirem”, ressaltou Moraes, na sessão desta quinta-feira.

Nunes Marques, por sua vez, minimizou a importância de estabelecer parâmetros que diferenciem traficantes e usuários e criticou a possibilidade de descriminalização pelo STF.

“A grande preocupação da maioria das famílias brasileiras não é se o filho vai preso ou não, a preocupação é que a droga não entre na sua residência. E, para isso, ela [a criminalização] tem hoje o fator inibitório”, argumentou Nunes Marques.

“[A criminalização do porte] traz um instrumento de defesa da família pobre brasileira, onde ela diz: ‘meu filho, não faça isso porque é crime'”, continuou.

O tema em análise pelo STF divide a sociedade. Defensores da liberação do porte de pequenas quantidades para uso pessoal dizem que a criminalização fere princípios constitucionais como o direito à privacidade de cada indivíduo.

Também argumentam que a criminalização não produziu resultados na redução do consumo e do tráfico e que seria mais adequado adotar políticas públicas de prevenção, como no caso do uso de cigarros.

Por outro lado, críticos da descriminalização acreditam que a medida aumentaria ainda mais consumo e tráfico e argumentam que o direito individual não deveria ser colocado acima da saúde pública.

Há questionamentos também sobre se o STF deveria decidir sobre a questão ou se apenas o Congresso poderia liberar o porte para consumo, aprovando uma mudança na lei atual.

“Nós estamos passando por cima do legislador caso a votação prevaleça com essa votação que está estabelecida. O legislador definiu que portar drogas é crime. Transformar isso em ilícito administrativo é ultrapassar a vontade do legislador”, criticou André Mendonça.

A possibilidade do Supremo liberar o porte de drogas para consumo já provocou uma reação no Parlamento.

Em abril deste ano, o Senado aprovou a chamada PEC das Drogas, proposta de emenda à Constituição que determina que é crime possuir ou portar qualquer quantidade de droga, mesmo que para consumo próprio. O texto ainda será analisado na Câmara dos Deputados.

A criminalização do porte e da posse, mesmo para consumo próprio, é hoje prevista na Lei de Drogas de 2006, que está em vigor. O Código Penal também prevê crimes sobre o tema.

Mas não é algo determinado na Constituição Federal. A intenção da PEC é incluir a regra no texto constitucional, tornando-a superior a uma lei.

Isso, na prática, reverteria uma eventual liberação do porte para consumo pelo STF neste julgamento.

O que está em julgamento pelo STF

O STF está analisando um recurso extraordinário com repercussão geral, ou seja, a decisão valerá para todos os casos semelhantes.

O recurso questiona se o artigo 28 da Lei de Drogas é inconstitucional.

Esse artigo prevê que é crime adquirir, guardar ou transportar droga para consumo pessoal, assim como cultivar plantas com essa finalidade.

Não há previsão de prisão para esse crime. As penas previstas nesse caso são “advertência sobre os efeitos das drogas”, “prestação de serviços à comunidade” e/ou “medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”.

O recurso foi movido pela Defensoria Pública de São Paulo em favor de um réu flagrado com três gramas de maconha na prisão e condenado a prestar serviços comunitários.

A Defensoria argumenta que a lei fere o direito à liberdade, à privacidade, e à autolesão (direito do indivíduo de tomar atitudes que prejudiquem apenas a si mesmo), garantidos pela Constituição Federal.

“Por ser praticamente inerente à natureza humana, não nos parece o mais sensato buscar a solução ou o gerenciamento de danos do consumo de drogas através do direito penal, por meio de proibição e repressão”, argumentou o defensor Rafael Muneratt, no início do julgamento no STF.

“Experiências proibitivas trágicas já aconteceram no passado, como o caso da Lei Seca norte-americana e mesmo a atual política de guerra às drogas, que criou mais mazelas e desigualdades do que efetivamente protegeu o mundo de substâncias entorpecentes.”

Já o então chefe do Ministério Público em São Paulo, o procurador-geral Márcio Fernando Elias Rosa, se manifestou contra a descriminalização.

“O tráfico no Brasil apresenta índices crescentes. O Estado não se mostra capaz nem sequer do controle efetivo da circulação das chamadas drogas lícitas. Não há estruturada rede de atenção à saúde ou programa efetivo de reinserção social”, disse Rosa.

Para a Federação Amor-Exigente (AE), que presta apoio e orientação aos familiares de dependentes químicos, o direito individual do usuário não justifica a descriminalização.

A organização foi aceita pelo STF para atuar no julgamento como amicus curiae, colaborador da Justiça que detém algum interesse social no caso, mas que não está vinculado diretamente ao resultado.

“A saúde pública vem em primeiro lugar. A pessoa que está usando o crack, chega em determinado momento que ela não tem discernimento para decidir o que é bom e ruim. A pessoa que usa o crack pode matar por causa de R$ 10”, disse à BBC News Brasil o advogado Cid Vieira, que representa a Federação Amor Exigente.

“É nesse sentido que esse direito (individual do usuário) não pode se contrapor à saúde pública e à tutela de toda a coletividade.”

Para o advogado Pierpaolo Bottini, que representa a Viva Rio, amicus curiae favorável à descriminalização, a descriminalização do porte não aumentaria o consumo.

“Não estamos falando em autorizar o uso, mas simplesmente não criminalizar. Essa ação é até modesta nesse sentido, muito mais modesta do que tem acontecido nos outros países, que estão autorizando o uso de certas drogas”, disse Bottini, citando o aumento da legalização em estados americanos.

Outro ponto em discussão é se a Corte vai fixar uma quantidade para diferenciar objetivamente o que é o porte para consumo ou para tráfico, parâmetros que podem ser adotados pelo STF mesmo que a criminalização seja mantida.

Defensores da medida, como a associação que representa os peritos da Polícia Federal (APCF) e integrantes da Procuradoria-Geral da República, dizem que a definição de parâmetros pode evitar que consumidores sejam enquadrados como traficantes indevidamente, reduzindo o grande número de presos no país.

No entanto, há organizações que estão participando do processo que duvidam deste efeito porque discordam da avaliação de que pessoas estejam sendo presas por tráfico equivocadamente.

Há mais de 180 mil pessoas presas hoje no país por tráfico de drogas. A quantidade de presos que seria eventualmente beneficiada por uma decisão neste julgamento dependerá de a maioria do STF concordar com a fixação de parâmetros que diferenciem consumo e tráfico e de quais seriam os parâmetros adotados.

No entanto, nenhuma decisão do Supremo levaria a uma liberação automática de presos, explica a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen à BBC News Brasil.

Cada pessoa detida pelo crime de tráfico de drogas e potencialmente impactada pelo julgamento, ressalta, teria que apresentar um recurso à Justiça solicitando a revisão de sua pena.

Mão segura baseado (cigarro de maconha) que já começou a ser fumado
GETTY IMAGES
O crime de porte para consumo já não é punido com pena de prisão no país desde 2006

Por que julgamento se alongou por anos?

Além dos vários pedidos de vistas que interromperam o julgamento, o caso também ficou alguns anos sem ser pautado pelo STF durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

A ação foi retomada em 2023 e interrompida pelo pedido de vista de Toffoli.

Para juristas que acompanham o tema, a Corte demorou a retomar o julgamento para evitar mais tensão com o governo anterior, que era fortemente contra qualquer flexibilização nesse tema.

Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não tenha uma postura abertamente favorável à descriminalização, integrantes do seu governo, como o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, defendem a medida com o objetivo de reduzir o grande número de pessoas presas no país.

“Temos que tratar isso como uma questão de saúde pública, como uma questão que não se resolve por meio do encarceramento, com prisão e com punição”, disse Almeida, em entrevista à BBC News Brasil.

Com a demora em julgar, houve mudança na composição da Corte, que se tornou mais conservadora com a entrada de dois ministros indicados por Bolsonaro: Kassio Nunes Marques e André Mendonça.

Além disso, Cristiano Zanin, indicado por Lula em 2023, também se posicionou contra a descriminalização do porte para consumo.

Lula também indicou no final de 2023 o ministro Flavio Dino. A princípio, Dino não se manifestará no mérito principal dessa ação, porque ele entrou na vaga da ministra Rosa Weber, que já votou.

Mas, como o julgamento ainda está em curso, pode ser necessário que o ministro precise se manifestar em alguma etapa do caso.

(Com informações da BBC)

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