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Julio Pompeu: ‘O sectário’

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Julio Pompeu (*) –

Radical vem de raiz. Do fundamental de algo. Às vezes, as coisas fogem do que lhes é fundamental, como a árvore que cresce de maneira a não mais ser suportada pelas próprias raízes. Nesta hora, é preciso ser radical. É preciso cuidar das raízes. Da fundação da árvore. Ou preparar-se para sua queda.

Beto é radical. Mas não olha para a raiz de nada. Não é de pensamento nem comportamento conforme o fundamento de nada. Beto é superficial em tudo. Superficial como quase todos à sua volta. Superficial como o comercial de um produto que promete vitalidade e felicidade a quem o compre. Na superficialidade nem se vê raízes, só superfícies. Só se vê o que aparece, o que aparenta. Para o superficial as coisas são como aparentam e é só o que importa. A radicalidade de Beto é superficial. Coisa de quem acha que a raiz está na aparência.

Mas Beto acha que superficial são os outros, que não pensam como ele. Mas como quase todos os outros são superficiais também, para se achar melhor pensante e agente que os outros, a superficialidade de Beto precisa ser diferente. Como antigos povos, Beto acredita em uma mitologia sobre o fundamento. Tudo o que vê é por causa do mito. Tudo o que acontece, confirma o mito. Tudo o que não entende, é mistério oculto do mito, que só os iniciados há mais tempo nos mistérios do mito seriam capazes de compreender.

A onipresença do mito em sua mente não deixa espaço para pensar mais nada além de estratégias para confirmar o mito e destruir o que o põe em xeque. Como oito sempre está presente, vira fundamento suposto. Não precisa ser pensado, nem provado. Só confirmado. E reconfirmando a todo instante, a cada ação, a cada acontecimento.

Sandro também é radical, mas de uma radicalidade diferente. Sandro olha para as raízes. E também para a árvore inteira. Quer saber se a árvore está em harmonia com as raízes. Olha para o todo e para as causas do todo. Também tem suas mitologias, não para apenas repeti-las, mas para usá-las. E as usa para entender o todo e as partes. E por isso sabe que a árvore balança e que isso não é problema para as raízes.

Já Beto, tem medo do vento, medo de todo balanço, de toda mudança porque seu pensamento radical não tem raiz. Ele flutua na vontade das próprias certezas estarem certas. Acha-se muito esperto e inteligente só porque afirma o mito. Mas no fundo, bem no fundo, lá na raiz da sua mente, sabe que suas ideias são rasas. Sabe que não tem raiz que as segure e por isso teme que seu mundo desabe. Por isso, teme o vento e todas as ideias contrárias ao seu mito. E como tudo aquilo que tem medo, reage amedrontado com violência. No campo dos fundamentos, Beto é sempre rato acuado.

Sandro e Beto, às vezes, discutem. Tentam, ao menos. Acaba sempre do mesmo jeito. Sandro desiste de continuar a conversa porque vê que é inútil. Afinal, ele fala de raízes e Beto só entende superficialidades. Sandro fala de estratégias, Beto só pensa táticas.

Mas Beto sempre acha que ganhou a discussão porque foi firme na teimosia de sua repetição do mito. Porque não deu ouvidos ao que se dizia. E porque conseguiu, valendo-se de ironia, truculência, mentiras e ofensas, fazer calar quem ousa convidá-lo a sair da superficialidade de sua vida rasa.

(*) Escritor e palestrante, professor de Ética do Departamento de Direito da UFES, ex-secretário de Direitos Humanos no ES.

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
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