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Desde 1968 - Ano 56

InícioColunistaElairton Gehlen: 'Uma loucura por mim!'

Elairton Gehlen: ‘Uma loucura por mim!’

Elairton Gehlen – escritor –

– Boa noite senhor!

O garçom cumprimentou o cliente que estava à porta. Tinha ainda a bandeja na mão, pois acabara de atender uma mesa próxima, pôs a toalha sobre o ombro e se dispôs ao recém-chegado oferecendo um lugar para que pudesse sentar-se.

– Eu estou procurando por uma mulher bonita, de uns cinquenta anos, ela já deve ter chegado.

– Como é o nome dela?

– Ela tem cabelos castanho-claro, compridos até os ombros…

– Por favor, me acompanhe.

Pode-se dizer que o bar estava lotado, diz-se lotado quando todas as mesas estão ocupadas. No caso, havia ainda algumas poucas mesas disponíveis, para uma delas o garçom ia encaminhar o cliente antes dele perguntar pela ‘mulher bonita de uns cinquenta anos”. Enquanto andavam por entre as mesas, José dos Santos, o cliente, pensava em que situação estava se metendo, tinha mesmo uma ‘mulher bonita de uns cinquenta anos’ sozinha numa mesa à sua espera? Bem, à sua espera já era querer demais, dissera-o ao garçom sem muito pensar, simplesmente disse, era o que desejava, encontrar uma ‘mulher bonita de uns cinquenta anos’, conhece-la, fazer amizade, talvez iniciar um namoro…

– Aqui, senhor!

José teve um sobressalto, como se acordasse atrasado com o despertador tocando ao ouvido. O coração acelerou, as mãos tremeram. Olhou para o garçom e queria se desculpar, mas ele já estava atendendo outra mesa que o chamara. José estava atônito, estacado diante da mesa ocupada pela ‘mulher bonita de uns cinquenta anos’, ela tinha cabelos castanho-claros, parecia simpática e era muito, muito atraente.

– Sim?

A ‘mulher bonita de uns cinquenta anos’ disse “sim?”, então era uma pergunta. José queria responder, mas como responder uma pergunta que diz simplesmente: Sim?

– Ugh… eu, eu…

– O garçom disse que o senhor estava me procurando.

– É, desculpe, acho que eu fiz uma besteira.

José não teve coragem de prosseguir com seu plano mirabolante. Nem dá para afirmar que era um plano, enquanto dirigia seu Ford Ka pelas ruas da cidade pensava que seria legal encontrar uma ‘mulher bonita de uns cinquenta anos’ hoje. Tem um ditado que diz que o pecado é como um pássaro que voa sobre a cabeça, não há nenhum problema em o pássaro voar sobre tua cabeça, mas deixa-lo fazer ninho, aí já é o mal. Não que fosse pecado deixar uma mulher bonita de uns cinquenta anos voar sobre a cabeça de José, mas pedir ao garçom para fazer ninho na mesa dessa mulher…

– Senhor?

José sentiu uma mão delicada a segurar seu braço.

– Vem, sente-se. Acho que o senhor precisa de um pouco de água. Garçom, um copo de água, por favor.

José tomou a água num gole, a mulher bonita de uns cinquenta anos tomou um copo de cerveja, ela esboçou um sorriso, era o sorriso mais lindo que José já vira na vida, era o sorriso que desejava enquanto dirigia seu Ford Ka.

– Diga, como é teu nome? Por que estava me procurando?

– Meu nome é José, José dos Santos. Essa parte não é difícil, mas, por que eu estava te procurando… isso é bem difícil… isso foi uma loucura minha…

– Uma loucura? Eu estava precisando mesmo de uma…

Ela estava também precisando de uma loucura. Que loucura! O bar estava lotado agora, nenhuma mesa estava disponível e havia clientes aguardando na porta. Em cada mesa parecia ter alguma loucura acontecendo. José desviou os olhos à esquerda da mulher bonita à sua frente e olhou para a mesas diante de si, na mesa mais próxima todos bebiam um brinde a alguém ou a alguma coisa, na outra tinha dois casais e o marido de uma colocava disfarçadamente um dos pés por debaixo da mesa, entre as pernas da mulher do outro enquanto conversava animadamente com o marido dela. O pássaro estava fazendo seu ninho!  Se olhasse cada mesa tinha lá um pássaro querendo fazer ninho… sim tinha lá suas exceções! José era uma exceção. Era?

– Qual foi a tua loucura? Me conte.

– É que, na verdade, eu não estava procurando você, quer dizer, estava, mas não era você, não era você, mas era você.

– Daí você me achou.

– Sim, daí o garçom me trouxe até aqui.

– Então vamos brindar a tua loucura, garçom um copo, não precisa, toma nesse da água mesmo.

Então brindaram à loucura, depois brindaram ao seu primeiro encontro, daí brindaram alguém ter feito uma loucura por uma mulher bonita de uns cinquenta anos, brindaram à vida, ao amor, aos desejos sexuais dos idosos, à filosofia, à literatura e ao marido da mulher bonita de uns cinquenta anos.

– Marido?

– Sim, olha ele aí, ele é escritor, vai amar essa história, certamente amanhã estará publicada na Folha de Dourados.

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