fbpx

Desde 1968 - Ano 56

41.5 C
Dourados

Desde 1968 - Ano 56

InícioDouradosVereadores apoiam ideia de alterar o nome do Parque dos Ipês: 'Parque...

Vereadores apoiam ideia de alterar o nome do Parque dos Ipês: ‘Parque Arquiteto Ernani Borges’

Os vereadores Maurício Lemes, Fábio Luiz, Elias Ishy, Daniel Junior, Marcio Pudim, Jânio Miguel e Sergio Nogueira já confirmaram apoio à proposta da arquiteta Flávia Palhares Machado em alterar o nome do Parque dos Ipês para “Parque Arquiteto Ernani Borges”.

Gaúcho de Soledade, Ernani Borges migrou para Mato Grosso do Sul em 1977 e construiu sólida carreira em Dourados, como narra Flávia Machado, em artigo abaixo.

O arquiteto faleceu em 05 de julho passado, aos 70 anos, em Campo Grande, vítima de problemas renais. Na próxima sexta-feira (27), ele faria 71 anos.

Por Flávia Palhares Machado (*)

ERNANI  BORGES – o arquiteto marcou a paisagem de Dourados

Proposta de homenagem na alteração do Parque dos Ipês para ”Parque Arquiteto Ernani Borges”

Se cabe ao historiador e aos memorialistas o registro e a escritura da história de uma cidade, a sua produção material – que deixará marcas nos seus habitantes e vestígios para os historiadores – é obra de arquitetos, engenheiros, construtores e de muitos trabalhadores da construção civil. A representação do arquiteto e da própria arquitetura, especialmente no Brasil a partir do século XX, convencionou-se a partir de uma imagem mitológica em que se destacam grandes nomes, a quem se atribui uma genialidade artística nata e conectada às vanguardas e ao espírito de inovação, e obras espetaculares, mas, sobretudo, obras de exceção.

Embora não seja a esta a realidade que prevalece nem mesmo nos grandes centros, é, sem dúvida, aquela que permeia o senso comum. Esse mito, no entanto, deforma e ofusca a arquitetura que é produzida e praticada na maior parte do Brasil e que dá corpo e forma às cidades brasileiras: uma disciplina que estabelece interfaces entre questões técnicas, econômicas, produtivas, artísticas e culturais. Os arquitetos que produzem a arquitetura das cidades brasileiras e se destacam em seus contextos locais são artífices que manipulam todos esses insumos com esforço e sensibilidade, mas que nem sempre recebem o devido reconhecimento.

Se, por um lado, o mito do gênio criador favorece uma suposta liberdade formal e uma abertura à criatividade; por outro lado também promove uma ideia de licenciosidade artística que submete o trabalho do arquiteto à inconstância da inspiração transcendente, que aparenta desprezar precedentes históricos e culturais, condicionantes técnicos, materiais e contextuais e levando a uma representação do arquiteto como um artista sonhador. Na verdade, essa ideia em nada condiz com a realidade vivida pela maior parte dos arquitetos, especialmente fora dos grandes centros.

Dourados é uma cidade jovem, quase tão jovem como e estado do Mato Grosso do Sul. Ambos se constituíram e firmaram em plena era do desenvolvimento, sob as concepções de planejamento estabelecidas no século XX. É impossível, portanto, pensar o crescimento de uma cidade com Dourados sem o trabalho dos arquitetos que primeiro chegaram e se estabeleceram para dar forma a essa nova cidade. É importante para a própria história da cidade, portanto, registrar a presença e a importância dos trabalhos destes profissionais que dedicaram sua vida à construção da cidade, à qualificação dos espaços urbanos e residenciais que tornaram a vida de tantos douradenses melhor e à formação de novos profissionais, seus sucessores nesta empreitada.

Ernani Borges é um desses arquitetos cuja atuação profissional marcou a paisagem de Dourados e que merece reconhecimento. Raro exemplo de profissional capaz de reunir com êxito o talento mítico do arquiteto-artista com a aparentemente contrastante postura de um arquiteto-artífice criterioso, técnico, responsável e incondicionalmente dedicado ao trabalho vivendo em uma pequena e jovem cidade em um estado recém-criado, onde ainda pouco se conhecia sobre a disciplina e, menos ainda, sobre as atribuições de um arquiteto e urbanista.  Nestas condições, o trabalho do arquiteto revelou, inclusive, um certo viés pedagógico desempenhado com muita habilidade, pacientemente qualificando e instruindo seus interlocutores para a apreensão e compreensão de todas as dimensões sensíveis, estéticas, técnicas e comunicacionais do espaço e do seu trabalho como arquiteto.

Ernani, gaúcho de Soledade (RS) e graduado em arquitetura e urbanismo Universidade Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), na cidade de São Leopoldo (RS), chegou ao Mato Grosso do Sul em 1977 – mesmo ano da divisão do estado do Mato Grosso e da criação do novo estado do Mato Grosso do Sul. O novo estado oferecia um horizonte grande de possibilidades e oportunidades, com muita coisa a ser feita – e construída – para atender às novas demandas sociais, políticas e administrativas: um lugar atrativo para um jovem arquiteto em início de carreira. 

Interessado em atuar em um lugar novo e incentivado por Jurandir Nogueira, arquiteto estabelecido na nova capital, Campo Grande; Ernani deslocou-se para Dourados, uma cidade promissora, à época com menos de 50 anos de emancipação. A cidade plana e com horizontes largos tinha a agropecuária como principal atividade econômica e uma população vicejante, ávida por novidades e por melhorias que acolheu o jovem arquiteto que, por sua vez, passou a se dedicar à “construção” da nova cidade.

Dono de uma personalidade alegre, afável, carinhosa, simples e discreta, Ernani não se furtou aos desafios que essa tarefa lhe apresentou. Como muitos profissionais que vão à campo, foi confundido com o Mestre de Obras ou com Engenheiro, mas nunca se incomodou. Tinha ciência da importância do seu papel de mediador entre expectativas, necessidades, desejos e restrições impostos pelas várias partes que participam tanto do desenvolvimento de um projeto quanto na sua execução. No chão da obra, na prancheta ou diante do mais exigente cliente, Ernani tratava a todos com o mesmo respeito, abertura e paciência para argumentar, explicar, ensinar, orientar sobre suas ideias, conceitos e projetos e, reciprocamente era respeitado por todos.

Da prancheta de Ernani (e mais tarde dos seus computadores) saíram projetos de residências (mais de 500 casas), de inúmeros estabelecimentos comerciais, galerias e centros comerciais, de vários consultórios médicos e postos de saúde, de clubes como o Samambaia e Indaiá, de loteamentos como o Parque Alvorada e o Altos da Paineira.  Seus traços também definiram as formas da estação rodoviária e da prefeitura da Cidade e os projetos de paisagismo e Urbanização do Parque dos Ipês e da Praça Paraguaia.

Por meio do seu trabalho, de seus projetos e obras, Ernani ajudou na construção da paisagem urbana de Dourados. Mas suas ideias também foram importantes para definir os rumos do crescimento e expansão da própria cidade, colaborando com o projeto do Plano Diretor da cidade, juntamente com a equipe do Arquiteto Jaime Lerner, contratada pela prefeitura do município sul-mato-grossenses no final da década de 1970 para a elaboração do Plano de Complementação Urbana, considerado o primeiro Plano Diretor de Dourados. Ernani também esteve a frente dos esforços para a implantação do primeiro Instituto de Planejamento Urbano de Dourados, conhecido como PLANEJE (mais tarde transformado em IPLAN) e foi o primeiro presidente da instituição.

A realidade das cidades pequenas e médias exige dos profissionais muito dinamismo, flexibilidade e uma grande transversalidade dos conhecimentos. Nestes locais há pouca especialização: os profissionais precisam adaptar seus conhecimentos técnicos às realidades e contextos locais de forma ampla para desenvolver projetos de diferentes tipologias, temáticas, e usos, para distintas escalas espaciais. Ernani foi desse tipo cada vez mais raro de profissional multifacetado, dominando todas as ferramentas estratégias de sua área de conhecimento e de sua profissão, experimentando todas as possibilidades de atuação que lhe eram oferecidas. Não se intimidava com o tamanho do desafio que lhe era proposto, deslocando-se por diferentes escalas espaciais com firmeza e diligência, dedicando-se sem distinção entre projetos de uma pequena residência, de um parque, um prédio publico, até o planejamento urbano de uma cidade. Em todos eles atuou com o mesmo rigor técnico, sensibilidade estética associados a uma postura humana e acessível.

Ciente de que a representação gráfica e visual do projeto é a forma de manifestação do discurso e das ideias de um arquiteto, Ernani mesclava técnica e talento em seus traços, buscando sempre a maior clareza em seus desenhos para que suas ideias fossem lidas por seus interlocutores sem ruídos ou interferências. Dono de um traço limpo e elegante, dominava as técnicas de representação em planos e em perspectiva, mas também se sentia muito à vontade para se expressar por meio do desenho à mão livre. Também manejava as cores com precisão para exprimir contrastes, sombras e profundidade em seus desenhos por meio de diferentes técnicas e ferramentas. Considerava que representação gráfica do projeto constitui a impressão da voz de cada arquiteto, por isso, mesmo no uso de ferramentas e softwares digitais, buscava formas de expressão singulares que tornassem seus desenhos ímpares.

Ernani deu  visibilidade a sua profissão de arquiteto e urbanista em Dourados não só pela sua atitude  e prática profissional, pois foi um profissional competente, habilidoso e ético, nem pelas obras que espalhou pela cidade, mas também por que se dedicou a inspirar e formar novas gerações de profissionais, incentivando a criação de um curso de Arquitetura e Urbanismo, na Socigran – Sociedade Civil de Educação da Grande Dourados, instituição de ensino superior estabelecida na cidade no final da década de 1970. Autorizado em 1992, o curso de Arquitetura e Urbanismo teve sua primeira turma em 1993 e contou com Ernani como professor de projeto e de história da arquitetura brasileira. Ernani encantava e inspirava os alunos, marcando a trajetória e a formação acadêmica das primeiras gerações de arquitetos e urbanistas formados em Dourados.

Ernani apresentou à Dourados o potencial e a objetividade de uma arte construtiva adaptando-a às contingências física, econômica e culturais da cidade. Contribuiu ativamente para a diversificação e o enriquecimento do vocabulário arquitetônico local; para a qualificação das construções, da arquitetura da cidade e do próprio espaço urbano de Dourados. Seu trabalho e atuação foram importantes para estabelecimento de uma “cultura arquitetônica” local que pode se expandir com a criação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

Um olhar retrospectivo para o seu trabalho e atuação restitui a importância não só da sua obra para Dourados, mas do trabalho de muitos outros profissionais que, como Ernani, produzem os espaços e dão identidade a tantas cidades do Brasil distantes dos grandes centros urbanos, sem personalismos autorais nem monumentalidades excepcionais. A produção arquitetônica de Ernani qualifica o tecido urbano que dá corpo à cidade até mesmo quando concretizada em pequenos projetos: uma arquitetura de correção acadêmica, técnica e estética que não se impõe sobre a paisagem, mas à ela se acomoda e mesmo assim a engrandece. Um profissional a ser exaltado e celebrado pelo seu trabalho, pela sua humanidade, pelas suas contribuições à cidade e, sobretudo, pelo seu amor à cidade que escolheu para construir a sua vida e ajudou a construir.

A cidade de Dourados é convidada a homenagear Ernani com a proposta de alterar o nome do Parque do Ipês, uma de suas criações, para “Parque Arquiteto Ernani Borges”, eternizando seu legado e sua história arquitetônica em Dourados. 

Vereadores como Maurício Lemes, Fábio Luiz, Elias Ishy, Daniel Junior, Marcio Pudim, Jânio Miguel e Sergio Nogueira, já confirmaram seu apoio nessa homenagem para reconhecer e celebrar o arquiteto marcou a paisagem de Dourados.

(*) Arquiteta, urbanista e doutora em Desenvolvimento Local

ENQUETE

MAIS LIDAS