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Desde 1968 - Ano 56

InícioColunista'Bet balanço', por Julio Pompeu

‘Bet balanço’, por Julio Pompeu

Julio Pompeu (*) –

O último registro na carteira de trabalho de Bete foi a sua demissão em 2017. Foi trocada por alguém que ganhava menos. Via na TV jornalistas e comentaristas, engravatados e bem falantes, dizendo que com as reformas que o governo estava fazendo, tudo iria melhorar. Bete ficou esperançosa.

Procurou emprego por seis meses. Muito velha, diziam, queriam gente mais nova. Inexperiente, diziam outros. Faltava qualificação… Ora demais, ora de menos, não se encaixava em emprego algum. Enquanto isso, fazia dívidas demais com dinheiro de menos.

Nos mesmos programas em que aprendeu que as reformas eram boas, aprendeu que empreender também era bom. Começou a ver histórias de gente que enriqueceu depois que mudou um tal maindiseti. Parecia fácil. Era preciso aprender segredos de sucesso em cursos e palestras de coachs. Gastou parte do pouco que lhe sobrou da demissão para mudar seu maindiseti e aprender segredos.

Tornou-se empreendedora vendendo bombons caseiros no mesmo bairro em que trabalhava até ser demitida. Olhava o prédio do antigo trabalho com desdém. Estava transformada. Era mulher de valor. Empresária. Dona do seu tempo. Senhora do seu destino.

No final do primeiro mês de empreendimento, quis o destino que ela perdesse uma leva inteira de bombons, recolhidos por fiscais. No mês seguinte, foi assaltada. Perdeu um pouco mais que o lucro dos dois meses de empreendimento.

Chateada, só não desistiu porque aprendeu na mudança de maindiseti, que a vida de empreendedora tem seus desafios e que eles traziam oportunidades. Naquele momento, pagar o aluguel e comer duas vezes ao dia tornou-se um desafio. Deveria ver oportunidades, mas não via nenhuma no prato quase vazio.

Procurando na internet a oportunidade no desafio, encontrou gente famosa que ela não conhecia dizendo como era fácil ganhar dinheiro apostando. Tigrinho, Bet isso, Bet aquilo… “O que é bet? Via tanta propaganda, em tantos lugares, que concluiu que era o mundo lhe mostrando o caminho a seguir. Encontrou cursos que contavam o segredo, que ninguém queria que ela soubesse, de como ganhar dinheiro apostando na internet. Pagou para ver.

A vitória nas primeiras apostas encheu-lhe de uma confiança que nem nos melhores exercícios de maindiseti experimentara. “Por que não trocam todos os professores por coachs? Eles ensinam segredos que os professores guardam para eles”, dizia empolgada para sua amiga descrente das possibilidades de sucesso das apostas de Bete. Tentou alertá-la em vão. “Você é pessimista, por isso nunca que será mulher de valor. Ou então é daquelas comunistas e faz parte dessa gente que esconde da gente o segredo do sucesso!”, disse, nervosamente, para encerrar a conversa e a amizade.

A fase de vitórias nas apostas foi logo sucedida de derrotas. Às vezes, ganhava novamente, o que lhe animava a jogar mais. Noutras, perdia tanto que imaginava que só apostando conseguiria recuperar o prejuízo. Ganhando ou perdendo, concluía que deveria jogar mais. Passou a comer uma vez ao dia. Com a dispensa vazia, fez a aposta derradeira. Perdeu.

Pediu dinheiro emprestado. Com muito custo e piedade de um parente distante, conseguiu algum para comer. Daria para umas duas semanas. Mas se apostasse parte do dinheiro, poderia ganhar muito mais, pagar as dívidas, o aluguel atrasado e recomeçar seus empreendimentos.

Perdeu seu último centavo assistindo a uma influencer esbanjando dinheiro com carrões caros em cidades distantes, dizendo, sorridente, como era fácil ganhar na bet alguma coisa…

(*) Escritor e palestrante, professor de Ética do Departamento de Direito da UFES, ex-secretário de Direitos Humanos no ES.

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