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Elairton Gehlen: ‘A felicidade’

Elairton Gehlen – escritor

A felicidade é, certamente, a ausência de dor. Ah, e de coceira também! Não se pode ser feliz depois que uma dor nova aparece e fica incomodando. Já não bastava a dor anterior que veio para fazer morada permanente no joelho e, antes desta, a dor do estômago e, antes desta ainda, a dor nas costas? Eu nem sei por que se diz “dor nas costas”, assim, no plural, se eu só tenho uma costa, que fica ali entre a cabeça e a bunda, e essa dor dói porque é dor de hérnia de disco. Quem dera fosse disco dos Beatles, daí pelo menos seria uma dor divertida!

Os médicos sempre dizem que a dor vai passar porque eles estudaram medicina e também o corpo humano, então é preciso fazer duas coisas para a dor passar: Acreditar nos médicos e tomar os analgésicos que eles receitam. Eu não acredito nos médicos, tem duas profissões que nunca dão garantia do serviço prestado, uma são os médicos. Eles sempre garantem que o tratamento que eles indicam é o melhor caminho para a cura, e cobram caro por isso, muito caro! Mas se a doença piora e o paciente morre, então a culpa é do destino, e eles cobram até para emitir o atestado de óbito. Tem gente, muita gente! Que vende carro e até a casa onde mora para pagar as despesas hospitalares e o doente morre, mas ninguém devolve o dinheiro gasto no hospital. Nos analgésicos eu acredito.

Mas, não tem jeito, quarta-feira vou ter que ir ao médico, sem a receita dele não tem como comprar os remédios, e são muitos, alguns deles o posto de saúde me dá de graça, de graça porque eu paguei os impostos e com o “meu” dinheiro dos impostos o governo compra os remédios para me dar “de graça” no posto do saúde. Só que os mais caros não têm no posto de saúde, daí tem que comprar na farmácia, dessas de rede, que dão desconto se fizer cadastro. Elas, as farmácias, não cobram impostos, ou cobram, mas os remédios são caros, os preços estão “pela hora da morte”, muito sugestivo para as funerárias, elas amam a hora da morte, é quando elas ganham dinheiro. Pelo menos elas, as funerárias, dão garantia, se pagar a fortuna que elas cobram, seu morto será velado e enterrado, mas para permanecer enterrado é preciso pagar uma mensalidade até que Jesus volte.

Se eu pudesse me livrar das dores, dos médicos, dos remédios e da funerária eu poderia ser feliz, não fosse a coceira. Coceira é um treco que aparece na pele e vai dando vontade de coçar, mas se você coçar, a coceira aumenta e dá vontade de coçar ainda mais. É uma delícia coçar! especialmente se for na região da virilha! Não é à toa o dito popular: “Coçando o saco”. Não sei como fica esse dito no caso das mulheres, não me atrevo a sugerir nada. Mas coçar faz a pele irritar e a felicidade sucumbe na irritação da pele, então é melhor ir ao médico e comprar a pomada que ele receitar e buscar a felicidade sem as coceiras.

O meu sonho é ser feliz!  Sem dores, sem médicos, sem remédios, sem funerária e sem coceira. Num mundo assim, quase apocalíptico, onde os animais selvagens vivem pacificamente com os domesticados, não haverá nenhuma doença ou maldade na Terra. Gananciosos como o Elon Musk não viverão, nem a direita raivosa, nem os extremistas revolucionários, nem haverá relacionamento sexual entre homens e mulheres. Pera aí, que graça vai ter, se o que comanda o prazer de viver é o sexo e a ganância?

Melhor rever meu conceito de felicidade. Deixemos o mundo apocalíptico para depois e fiquemos com o mundo atual, ainda que com médicos e remédios. Supondo que seja possível viver sem médicos, sem remédios, sem funerárias e sem coceiras, mas ainda resta uma dor esquisita, a dor da consciência. Se algum remédio houver para essa dor, eu o quero, então, tratada essa dor, hei de viajar até mil quilômetros, se for preciso, para encontrar a felicidade. E ela estará lá, à minha espera, e eu a encontrarei!

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