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Rita Benneditto exalta música afro-brasileira e lamenta preconceito: ‘Brasil ainda não se descobriu’

A cantora Rita Benneditto é voz forte e necessária na luta contra o preconceito religioso, destacando o papel importante da ancestralidade africana na construção do povo brasileiro, desde o seu início até chegar ao que ele é hoje. A maranhense canta há quase três décadas a poesia dos terreiros de matriz africana e se orgulha de transmitir a mensagem de paz e amor da cultura afro-brasileira.

Já esquentando os atabaques na primeira prévia do Carnaval 2025, a artista se apresenta no palco do Circo Voador, no centro do Rio de Janeiro, no próximo sábado, 30, com o seu show “Tecnomacumba”, que completou 20 anos de estrada.

Antes, ela concedeu entrevista para o site IstoÉ Gente e falou sobre intolerância religiosa, resistência e, claro, a manifestação carnavalesca. “Grande festa para a gente começar logo a vibrar a energia momesca do Carnaval 2025”, avisa ela sobre o próximo fim de semana. 

Para quem ainda tem dúvida, Rita explica que Tecnomacumba, estilo criado por ela, é uma celebração de toda cultura musical presente nas tradições brasileiras, muitas delas de origem africana.

“É um manifesto de brasilidade, é uma intervenção cultural. Ela é resultante de uma fusão que eu fiz de clássicos da MPB, com pontos cantados dos terreiros de Candomblé e Umbanda espalhados pelo Brasil, e beats eletrônicos”, pontua.

“A música popular brasileira bebe muito na fonte das religiões africanas, e os pontos cantados são referências para muitos compositores e cantores brasileiros ao longo dos tempos. Então, essa cultura de terreiro é muito linda, é muito forte, e eu quis reproduzi-la em um palco, em um espaço artístico, de maneira que ela tivesse uma projeção a nível nacional e internacional. Tecnomacumba é essa força da natureza”, descreve ela.

Embora cante e encante com seu estilo único, Rita admite que a ancestralidade africana ainda é desconhecida por grande parte do público brasileiro. Questionada sobre barreiras que sua arte enfrenta para ganhar projeção, ela lembra que a cultura negra é sempre acompanhada de luta e de resistência.

“Todo o trabalho baseado na cultura dos terreiros, na cultura afro-brasileira, da afro-ameríndia brasileira é sempre de muita luta e resistência. São 20 anos de trabalho e, ao mesmo tempo, a grande mídia, o grande espaço, os grandes projetos e festivais não contemplam muito esse tipo de trabalho, porque a gente ainda está vivendo um processo de descobrimento”, explica.

“O Brasil não se deu conta que mais de 50% da população é negra, é preta e que nossas comunidades indígenas permanecem fortes e resistentes. A gente precisa gritar e brigar para ocupar os espaços e fazer valer a nossa cultura”.

Rita lamenta a tentativa de invisibilizar as culturas ancestrais e de impedir que essas manifestações ganhem projeção na sociedade.

“É muito triste ainda ver que as pessoas querem colocar debaixo do tapete a nossa maior riqueza, a nossa maior referência, as nossas maiores raízes, que são as raízes ameríndias e africanas. Eu venho fazendo esse trabalho de luta e resistência. Me sinto feliz de ver que o Tecnomacumba abriu portas para muitas pessoas entenderem a força e a importância da cultura afro-brasileira, de toda a sua riqueza, de tudo que é produzido dentro dos terrenos, a partir da música, a partir da dança”, avalia ela.

“O público entende, mas ele não tem acesso, porque o acesso é dado pelas grandes corporações, pelas empresas, pelos meios de comunicação e isso precisa ser mais reverberado, tem que haver um investimento maior, tem que ter uma consciência maior sobre essa grande riqueza da cultura”, observa a artista.

Rita destaca que ser uma branca não a impede de cantar e enaltecer a cultura preta, levando o som dos terreiros para os palcos e trios elétricos. Pelo contrário. Ela lembra que todo brasileiro é resultado dessa miscigenação tão característica do país.

“Eu sou uma mulher afro-ameríndia, de pele branca, e sinto muito orgulho de ter na minha constituição de pessoa física, pessoa também espiritual, pessoa mental e também emocional todas as raízes ancestrais que vêm da mãe África e da mãe indígena. Eu também tenho um elemento branco, europeu, português principalmente, na minha constituição. Eu me sinto com toda essa mistura, eu me sinto contemplada e constituída de toda essa mistura que caracteriza o povo brasileiro. Acho rico, acho forte”, declara ela.

“Eu tenho total consciência que o Brasil é formado na dor, na dor da invasão, da escravidão, da ditadura, na dor da negação da sua própria identidade, mas a gente é o que é, a gente é fruto da mistura dos povos e esses povos nos constituem através da nossa linguagem, da nossa maneira de vestir, do que a gente come, do que a gente fala”, completa.

Apesar de se sentir mulher negra e viver a negritude na arte, Rita reconhece que o preconceito bate mais forte sobre o tom de pele.

“Só quem é preto de pele é que sabe realmente onde o racismo bate mais forte, né? Eu tenho consciência disso também, o que não tira de mim é a minha pretitude, o que não tira de mim é a África que eu herdei, da mesma forma a força indígena que eu também herdei”, destaca, ressaltando seu orgulho em fazer parte da comunidade negra.

“Eu não sou uma preta de cor de pele e entendo totalmente a questão, a dificuldade que as pessoas da cor de pele preta têm […] Mas estou na luta junto, sou brasileira e acredito na transformação do pensamento”.

Intolerância religiosa

Eis um termo tão difundido para falar sobre atos de desrespeito às religiões, mas que Rita Benneditto refuta. A cantora viveu um momento de preconceito religioso e teve de cancelar uma apresentação que faria, na zona norte do Rio de Janeiro, por “proibição” de criminosos de uma comunidade próxima ao local, que não permitiram manifestação cultural de origem africana, e que impõem cultos evangélicos.

“Eu acho que ninguém quer e precisa ser tolerado. Eu não gosto dessa questão de intolerância. Eu acho que a gente precisa de respeito. Respeito às nossas crenças, às nossas diferenças. Respeito ao espaço e à liberdade do outro […] Toda essa estupidez, essa ignorância em querer criminalizar, diminuir, demonizar algo que elas desconhecem”, enfatiza.

“Isso é reflexo de todo esse processo de escravidão, de dor, que a gente sofre ao longo dos 500 anos de descobrimento do Brasil, que ainda precisa ser dominado, precisa ser erradicado”, analisa ela sobre o contexto histórico do país.

“Eu fico imaginando as casas de axé que sofrem esse tipo de invasão, de desrespeito, uma pretensão absurda e arrogante das pessoas de acharem que o que elas fazem é melhor que o outro. A gente tem direito garantido na Constituição, porque o Estado é laico, mas as pessoas parecem não querer saber disso”, lamenta.

Carnaval

“Diz o poeta Caetano Veloso que o carnaval é a invenção do diabo que Deus abençoou. Eu acho isso maravilhoso, porque quem é Deus, quem é diabo, né?”, brinca a cantora, que leva o Carnaval muito a sério.

A folia de Momo é um momento de diversão para a maioria, e de trabalho para tantos outros. Mas Rita Benneditto destaca a importância de várias manifestações culturais que acontecem nesse período do ano.

“O Carnaval é o encontro de todas as tribos, todas as nações, pela música, pela dança, pela alegria, pela diversão, pela conscientização. Não é apenas entretenimento, ele traz conhecimento, informação, possibilidade de transformação, movimenta uma economia criativa fantástica, mobiliza todo um país em função de várias histórias contadas, geralmente da nossa ancestralidade”, ressalta, lembrando que sem cultura, história e informação o samba não entra na Avenida.

“Agora mesmo no Carnaval de 2025, a quantidade de sambas-enredo que vão falar da ancestralidade, dos nossos deuses e deusas, de tudo que nos constitui. O Carnaval reverbera a energia como poesia, como música, como literatura, como contação de histórias, sabe? Como movimento político de resistência, de luta. Eu acho o Carnaval fantástico!”, anima-se ela, que está nos preparativos para rodar o Brasil nas prévias e nos dias oficiais de folia.

Neste ano de 2024, a cantora se surpreendeu com a multidão que seu “Tecnomacumba” arrastou pelas ruas do centro do Rio, 

“Eu já estava com essa expectativa de ser um sucesso e foi além do que eu esperava, porque foram quatro horas desfilando na Pequena África, ali na região da Gamboa, cantando a nossa ancestralidade, cantando a nossa música dos terreiros e todo mundo junto, vestido com todos os personagens que constituem o panteão da mitologia africana, os orixás e também a malandragem do Morro Carioca e também as pomba-giras. Tive a alegria imensa de ver a força que o Carnaval tem”, comemora ela.

“Que a alegria, que o amor, como eu sempre estou reverberando, seja a máxima do Carnaval – é o objetivo dele: fazer a gente celebrar a vida com muito amor, com muito axé”, espera a artista.

(Istoé)

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