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Aty Guasu chama de ‘armadilha’ e ‘soluções inconstitucionais’ negociações sem conclusão no STF

A Grande Assembleia Guarani e Kaiowá pede ao governo e ao STF que respeitem o que o próprio STF definiu no Tema 1031

A Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, divulgou nesta terça-feira (17) uma carta pedindo ao Supremo Tribunal Federal (STF) a conclusão do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, com inclusão na pauta dos embargos de declaração, definindo assim critérios e os ritos para aplicação das indenizações a ocupantes não indígenas de terras indígenas nos limites do que prevê a Constituição Federal de 1988.

Para os Guarani e Kaiowá, os povos indígenas estão diante de uma “verdadeira armadilha (…) sendo o Mato Grosso do Sul uma espécie de laboratório do que se pretende replicar nos demais estados brasileiros”. Conforme a Aty Guasu, o governo federal apresenta essas negociações, sobretudo envolvendo indenização por terra nua, “como um novo modelo de política indigenista”, mas que se mostra um instrumento nocivo aos direitos indígenas.

Além disso, a Aty Guasu pede ao STF o julgamento das ações de controle de constitucionalidade que tratam da Lei 14.701/2023. O documento é a sistematização dos debates realizados pelos Guarani e Kaiowá diante da “preocupação em relação às tentativas de negociação anunciadas e já inauguradas pelo governo federal” no Mato Grosso do Sul.

“Por meio dos denominados Fóruns de Territórios Ancestrais, promovidos pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) – que replicam, de certo modo, o método autocompositivo da Comissão Especial criada pelo Ministro Gilmar Mendes, da qual a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) já se retirou por ser ilegítima – o governo tem oferecido soluções inconstitucionais para o acesso a nossos territórios sagrados”, diz trecho da carta da Aty Guasu.

Para os Guarani e Kaiowá, trata-se de “uma tentativa de desvirtuar o que decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 1031”. Os temas no STF são recursos que abordam questões jurídicas repetidas nos tribunais de origem. O objetivo é que os tribunais superiores tenham uma solução uniforme para essas questões.

O Tema 1031 tem como caso principal o RE 1017365, cujos embargos de declaração ainda não foram julgados, e trata da definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena à luz das regras dispostas no artigo 231 do texto constitucional.

“Importante destacar que o que o STF fixou foi a possibilidade de indenização correspondente ao valor da terra nua em razão de eventos danosos causados pelo Poder Público. Porém, somente nos casos em que não havia posse indígena ou disputa pelo território em 1988, e desde que inviável o reassentamento dos particulares”, destaca outro trecho da carta da Aty Guasu.

Leia a carta na íntegra:

DIREITOS NÃO SÃO MOEDA DE TROCA, NOSSAS VIDAS E NOSSOS TERRITÓRIOS NÃO SÃO MERCADORIA

A Grande Assembleia da Aty Guasu – representando a unidade dos territórios Kaiowá e Guarani no Mato Grosso do Sul – vem a público externar sua preocupação em relação às tentativas de negociação anunciadas e já inauguradas pelo governo federal em nosso Estado. Apresentadas como um novo modelo de política indigenista, nada mais são do que instrumentos nocivos aos direitos indígenas que sempre estiveram presentes nas pautas e nas bandeiras do ruralismo, como na PEC 215. Trata-se de uma verdadeira armadilha para os povos indígenas de nosso país, sendo o Mato Grosso do Sul uma espécie de laboratório do que se pretende replicar nos demais Estados brasileiros.

Por meio dos denominados Fóruns de Territórios Ancestrais, promovidos pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) – que replicam, de certo modo, o método autocompositivo da Comissão Especial criada pelo Ministro Gilmar Mendes, da qual a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) já se retirou por ser ilegítima – o governo tem oferecido soluções inconstitucionais para o acesso a nossos territórios sagrados. Basicamente propõe o pagamento da terra nua de maneira generalizada para fazendeiros que exploraram e que continuam explorando até hoje nossos territórios, deixando de lado a Constituição Federal e estabelecendo uma política de mercado para o acesso à terra.

Notamos ainda que há uma tentativa de desvirtuar o que decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 1031, fato que causa um enorme problema. Isso porque, embora o Supremo tenha apontado, enquanto tese, a possibilidade de pagamento de indenizações no valor da terra nua, tal previsão não se confunde com a indenização pela terra nua, que é vedada pela Constituição Federal nos casos de demarcação de terras indígenas.

Importante destacar que o que o STF fixou foi a possibilidade de indenização correspondente ao valor da terra nua em razão de eventos danosos causados pelo Poder Público. Porém, somente nos casos em que não havia posse indígena ou disputa pelo território em 1988, e desde que inviável o reassentamento dos particulares. Apenas nessas situações é que se aventaria a aplicação de tal entendimento, observadas a existência de justo título ou posse de boa-fé por particulares. O STF ainda determinou que este entendimento, em todo caso, só poderia ser apurado em procedimento próprio a ser estabelecido pela União, sem prejudicar o rito específico da demarcação administrativa. Tais questões serão melhor aparadas e esclarecidas pelo Supremo quando julgados os embargos de declaração no RE 1017365 (Tema 1031), o que ainda não ocorreu.

Contudo, desconsiderando o que já decidiu o STF, o governo e essas mesas de conciliação, a serviço de quem sempre teve interesse contrário aos povos indígenas, parecem querer se antecipar ao julgamento dos embargos do STF e definir por conta própria critérios que, inclusive, podem ferir a Constituição e acabar com a segurança jurídica de nossos territórios.

Assim, após profunda reflexão afirmamos que qualquer solução ou arranjo para demarcação das terras indígenas que desrespeite a Constituição Federal, e o fixado pelo STF no Tema 1031 (RE 1017365), entendemos que se trata de um risco para o futuro de nós, povos indígenas de todo o Brasil, e que os Kaiowá e Guarani estarão atentos.

Os marcos constitucionais que hoje ampara nossos direitos fundamentais e originários foram fruto de muita luta e resistência de diversos povos indígenas, mobilizados nas mais variadas regiões do país ao longo dos séculos. E não podem ser ignorados por conveniências políticas de ocasião ou interesses obscuros.

Assim, qualquer iniciativa que busque descaracterizar ou restringir os direitos constitucionais com a desculpa de resolver rapidamente um problema histórico secular precisa ser questionado e refletido. Se hoje existem conflitos e seguem os massacres contra os povos indígenas, estes conflitos decorrem das ações e omissões dos Poderes da República que insistem em não cumprir o dever constitucional em demarcar e proteger nossos territórios.

A paralisação dos procedimentos demarcatórios pela da Lei 14.701 pelo Congresso Nacional, e a não manifestação da Corte sobre a inconstitucionalidade desta Lei, que há 11 meses foi questionada perante o STF, são exemplos da origem da permanência e acirramento desses conflitos em nossos territórios ancestrais. Compreendemos que a finalização do julgamento do Marco Temporal, o RE 1017365 (Tema 1031), é fundamental para estabelecer critérios válidos para serem adotados pela administração pública federal na apuração dos direitos indenizatórios para os não indígenas, conforme fixado na tese proposta pelo próprio STF.

Sem os embargos de declaração e esta definição, toda e qualquer indenização dos fazendeiros – muitos deles assassinos de nosso povo – podem abrir precedentes que prejudiquem as demarcações futuras, e que deixe distante nosso sonho de retorno a nossos territórios ancestrais.

Enquanto isso não ocorre, estamos sujeitos a todo o tipo de violência, sendo que a mais cruel é uma espera sem fim pela demarcação dos nossos territórios, ao mesmo tempo em que a terra é devastada pela ganância daqueles que com ela não possuem nenhuma relação existencial. Sobre isso também gostaríamos de questionar porque só falam em indenização para que os fazendeiros saiam das terras que eles exploraram e machucaram para se tornarem ainda mais ricos? Onde está a indenização para nosso povo, para os assassinatos de nossos guerreiros e guerreiras e pela destruição de nosso território e patrimônio? Queremos saber.

Este cenário é razão do sofrimento de nossos parentes e de profunda angústia em nossas comunidades, pressionadas e assediadas em aceitar qualquer resolução para poder viver em paz em seus territórios. Por essa razão, a fim de contribuir com todos os nossos parentes pelo Brasil, a Aty Guasu alerta que:

Antes de qualquer negociação ou mesa de diálogo, deve ocorrer expressamente:

a) A conclusão definitiva do julgamento do RE 1017365 (Tema 1031), com inclusão na pauta dos embargos de declaração com urgência, definindo assim critérios e os ritos para aplicação das indenizações nos limites do que prevê a Constituição Federal de 1988;

b) A declaração imediata da inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023, para que as demarcações – que nunca foram condicionadas às indenizações – possam seguir livremente.

Bem como a Aty Guasu solicita demandas em caráter emergencial para a região do cone sul de Mato Grosso do Sul:

a) A criação do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) para atender as demandas da região sul do Estado;

b) Mensuramento de oito reservas indígenas, sendo seis destas de forma urgente.

Não deverão ser aceitas quaisquer propostas que:

 Indenize os que praticaram crimes contra os povos indígenas;

 Indenize os particulares pela terra nua;

 Flexibilize o direito originário ao território tradicional, previsto no art.231 da Constituição Federal;

 Não garantam o direito à posse imediata e integral da área reivindicada pela comunidade indígena e declarada pelo estado brasileiro;

 Não assegure o direito ao usufruto exclusivo das riquezas do solo, rios e lagos;

 Se afaste do que fixado na tese do Tema 1031 pelo Supremo Tribunal Federal no RE 1017365;

 Vincule o direito territorial indígena ao debate sobre o dever e a responsabilidade de indenizar particulares;

 Desconsidere a reparação pelos danos morais, ambientais e materiais sofridos pela comunidade indígena e seu território.

Por fim, conclamamos a todos e todas a reivindicar a conclusão do julgamento do RE 1017365 e das ações de controle de constitucionalidade que tratam da Lei 14.701/2023, e também que exijam que o Congresso Nacional respeite, de uma vez por todas, os direitos fundamentais dos povos indígenas previstos no art. 231 da Constituição Federal, visto que são cláusulas pétreas, não se sujeitando, portanto, ao poder reformador.

ATY GUASU – Grande Assembleia Guarani Kaiowá do Estado de Mato Grosso do Sul

Arroio Kora, Paranhos/MS, 13 de dezembro de 2024 (Da assessoria do Cimi)

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