Eduardo Martins, Docente adjunto 4, curso de História, UFMS, campus de Nova Andradina –
Quase todo mundo viu pelas redes sociais, um vídeo, em que uma mulher negra esvazia a sua bolsa dentro de uma loja no Rio de Janeiro, acusada de furto. Escancarando mais um caso de racismo. Imediatamente a mulher foi a uma D.P ali por perto para registrar o devido B.O e, foi encaminha à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância.
Esse episódio, longe de ser um caso isolado, trata-se de um padrão, uma regra estabelecida na ordem societária, que teima em perseguir pessoas negras, tal regra se estende a outros setores da sociedade brasileira, racista por sua natureza histórica, por sua natureza burguesa colonialista e nacionalista eurocristã, sobretudo, pelo fato de ter se sustentado 350 anos pela escravização de pessoas africanas e depois de afrodescendente, até a abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888, Lei Áurea.
Depois disso o novo regime republicano, já libertado a escravidão, não teve forças políticas para resolver a questão do negro na sociedade de classes e, o manteve enquanto pária social, tratando-o como questão de polícia e de encarceramento. Peço licença, ao escritor Muniz Sodré, para utilizar o título do seu livro “O fascismo da cor”, 2023, em meu texto, por compactuar com sua tese sobre o racismo à brasileira.
Enquanto isso, para além das categorias econômicas e sociais, no plano político e das estruturas ou, instituições basilares, estas mesmas estruturas são categorias de Estado, segundo análises sociológicas de Marx, no seu esforço teórico de explicar a exploração de classe. Entretanto, as estruturas são movimentadas pelos homens que delas se dispõem para organizar o Estado com seus aparatos que dão suporte a algum tipo de nação, mas, sobretudo que ampare o modo de produção capitalista; sistema de classes exploratória do trabalho alheio. A estrutura marxista não é um ente fantasmagórico, tampouco atua autonomamente, ela é movida por pessoas.
Dessa feita, os aparelhos de Estado, iminentemente burgueses, concentrados nas mãos das elites, e por elas sempre redefinidos de acordo com a temporalidade. Hodiernamente usa-se o modelo democrático; baseado no regime presidencialista, no Brasil, que já foi uma monarquia parlamentar (1824-1889). A burguesia, em seus termos elitistas capitalistas, donas do capital; bancos, terras e com eles a hegemonia da classe patronal; requisita e necessita do seu complemento antagônico, a classe trabalhadora.
Destarte, entendemos, então, que a classe patronal; elites burguesas detém o monopólio do capital, logo das estruturas de Estado; ocupando-as via, Poderes Judiciário, Executivo, Legislativo, imprensa, redes sociais entre outros aparelhos que concentram meios de manter a “ordem e progresso”, leia-se disciplina dos corpos. Corpos que precisam fazer o capital produzir, circular e consumir, numa cadeia de retroalimentação.
Pergunta-se se nessa engrenagem cabe toda a população, se tem emprego e bens sociais para todos os indivíduos? A resposta é não. Uma grande maioria deve ficar de fora do sistema de produção, do mundo do trabalho; loucos, mendigos, crianças, indígenas, e negros – aqui a situação fica complexa e não se consegue entender em nível da doxa. Empiricamente vê-se a olho nu pessoas negras deslocadas dos centros de “poder”, dentro do sistema de produção capitalista, em detrimento das pessoas brancas. Neste ponto de inflexão cumpre a episteme, a história, explicar melhor esse fenômeno brasileiro que reserva a boa parte da população negra, os lugares inferiores na hierarquia social.
Assim, chegamos a um impasse. Desde a era Vargas, na sua versão fascista, Estado Novo (1937-1945), e o crescimento das elites fascistas, notadamente capitalistas, ou donas de terras, trouxe junto consigo o preconceito e o racismo, características básicas desse sistema político e econômico. Assim não fica muito difícil explicar que as estruturas, ainda pouco democráticas, permitissem homens racistas ocupando cargos dentro dela. Tese central defendida por Muniz Sodré (2023), e que faço coro, por encarar como epistemologia melhor adaptada ao racismo à brasileira, mas, sobretudo, por localizar diretamente a pessoa racista e contribuir efetivamente na luta antirracista.
Entretanto, no ano de 1951, é decreta a Lei Afonso Arinos que criminaliza o racismo mostrando que as estruturas seriam, desde então, antirracistas. Destarte, houve um período de exceção, durante os 21 anos de ditadura militar (1964-1985), as estruturas foram todas cooptadas pela extrema direita, por definição fascista, que se sustentam pelo racismo, encarando o negro como pessoa inferior, como caso de polícia, de presídios e não de políticas públicas. Em que pese os esforços de muitas ordens, associações, organizações civis tenham lutado e combatido em prol da democracia e do antirracismo.
O sistema político teve avanços para a democracia, para a Constituição Cidadã (1988), mas o sistema econômico burguês se manteve concentrado nas mãos das elites protofascistas, chamadas, romântica e eufemisticamente, “extrema direita”, ou “estrutura”. Estamos nos referindo ao sistema democrático, pós-redemocratização, 1985, que ao mesmo tempo em que pune o racismo, convive com ele – uma vez que a coisa pública é organizada e admite servidores públicos por meio de concursos, muitos deles aproximados ao nacionalismo de extrema direita, racista. De acordo com um dos maiores estudiosos do fascismo Umberto Eco (2015, s/p)[i]. “O protofascismo desenvolve-se e alcança o consenso explorando o medo natural da diferença. O primeiro apelo de qualquer movimento fascista é contra os intrusos. Por isso o protofascismo é racista”.
O que pretendi chamar atenção nesse ensaio foi para o modelo como a democracia burguesa brasileira readequou o racismo protofascista, para uma noção generalizada de racismo estrutural, típico de um país neocolonializado (após a ruptura com Portugal, em 1822) por elites agrárias ou urbanas nacionalistas.
Já nos dias atuais, esse Estado e as estruturas colonialistas de governo foram orientadas pelo protofascismo, bastando ver como o penúltimo presidente da República, hoje inelegível, guiava as ações do país sob forte discurso racista, com desdobramentos em fundamentalismos religiosos e de cunho preconceituosos. Isso teve reverberações no seio social e uma grandiosa maioria da população se sentiu no direito de ser racista, seguindo seu líder, “o mito”, como seus séquitos o chamavam, declaradamente protofascista, com ensaio de homenagem a Hitler e ao nazismo, sob o véu do lema fascista “Deus, Pátria e Família”.
Mas, como a democracia brasileira, a “estrutura”, (as leis, notadamente) é antirracista ele não se reelegeu, pois a maioria da população não tolerou seu racismo, colocando como chefe da estrutura maior um presidente antirracista.
Finalmente, o racismo à brasileira não se explica, tão e apenas somente pelas categorias estruturais, como cadeias lotadas de pessoas negras, escolas e universidades vazias delas, altas taxas de assassinatos de negros pelas polícias, evidentemente que esses dados são notados empiricamente como atos de racismo estrutural, uma vez os aparelhos de Estado, por seu caráter democrático, congrega pessoas protofascistas, de extrema direita, e por definição racista. Mas que são devidamente punidos pelas leis antirracistas promulgadas pelo Estado brasileiro que é antirracista. Portanto, o caso da senhora negra, vítima de racismo em uma loja, o funcionário/a protofascista, deverá responder nos termos da lei.
Defendo que localizar o racismo à brasileira, encará-lo como um fenômeno tipicamente protofascista, retroalimentado pela extrema direita, surte mais efeito no seu combate, pois nesse caso temos cara a cara os inimigos racistas, pessoas de extrema direita; dentro de um comércio, na rua, ou ocupando cargos nas estruturas.
Concluo, concordando plenamente com as palavras do intelectual Muniz Sodré (2023, p.60), criticando diretamente Silvio Almeida. Diz que: “a expressão racismo estrutural tem um alcance político no discurso antirracista, o que nos leva a relativizar o peso da argumentação de natureza epistemológica. Em outras palavras, caracterizar o racismo brasileiro como estrutural é uma tática discursiva que suspende momentaneamente a precisão teórica em favor da retórica ativista”.
[i] Disponível em: https://racismoambiental.net.br/2017/01/10/a-nebulosa-fascista-por-umberto-eco/. Acesso em 10, fev, 2025.