Julio Pompeu (*) –
Aparentemente Jair não está nem aí. É noticia ruim, mas ele age como se não fosse com ele. Como se não fosse um problema. Precisa manter a pose de inatacável, poderoso, potente, sujeito que faz acontecer e desacontecer só por vontade ou capricho. No seu tipo de vida, imagem é tudo e, no caso de Jair, para além da imagem há nada. Um nada de virtude, coragem, honradez ou qualquer coisa de bom que pode haver num humano. Jair é só casaca. Vazio de coragem e indiferença que precisa demonstrar a todo custo para não comprometer a imagem. Para não dar na pinta. Para não deixar vir à tona seu eu de verdade.
Faz o que pode e o que não pode para evitar o inevitável. Como o preso que vai arrastado, gritando e chorando, como se grito e choro paralisassem a ação dos guardas. Sabe que isso demonstra sua baixeza de espírito, mas disfarça fingindo que será preso com a cabeça erguida dos heróis injustiçados.
Conversa e desconversa em busca de uma alternativa. Não encontra. É uma sucessão de “e se…”, logo seguido de um senão desanimador. Está disposto a tudo. Pátria, família, Deus, sacrificaria facilmente quaisquer destes valores porque, para ele, nenhum deles vale mais do que ele mesmo. Todas as suas preocupações e ideias sempre giraram em torno de si mesmo. E sempre odiou quem pudesse roubar-lhe a posição. Agora, depende de gente que sempre lhe bajulou em troca de migalhas de seu prestígio. Só pelo seu prestígio.
Passa o dia fingindo não estar nem aí. Fingindo ser seguro de si mesmo. Fingindo coragem. Fingindo inocência. Mas fingir cansa e, à noite, no breu do quarto, desaba em si. Sua alma flutua no oco de sua mente entre medos e ideias mirabolantes. São as piores horas de Jair. A hora sem máscara. Hora da verdade de si vir à tona para si mesmo. Sofre. Mas não de arrependimento. Não há em si arrependimento algum. Por nada. Nunca. Não é por arrependimento, remorso ou culpa que perde o sono, mas por medo de perder seus privilégios. Por medo de aparecer, na sua ausência, outro que ocupe seu lugar de poderoso na ilusão dos outros.
Há uma única exceção, arrepende-se de não ter sido bem sucedido no seu crime. Se tivesse dado certo, não estaria naquela situação. Este arrependimento Jair não finge para os outros, mas só para si mesmo. No fundo de sua alma perturbada sabe de sua incompetência. Sabe ser sua a culpa por seu fracasso. Mas finge para si mesmo que a culpa é de outro. De outros. De muitos. De todos. De tudo, menos dele. No seu delírio de grandeza, acredita-se infalível.
Mas agora não tem jeito, é só questão de tempo. Talvez, sempre tenha sido só uma questão de tempo, mas de um tempo tão demorado que Jair se permitiu pensar que seu tempo nunca chegaria ao fim. Mas é do tempo essa coisa de passar e não de ficar parado por aí. E de passar depressa quando não se quer mais que ele passe. O tempo é do contra, que parece correr quando dele se percebe. E o tempo de Jair voa de dia. E se arrasta de noite. Seu tempo, Jair, já vem, já vai, já foi.
(*) Escritor e palestrante, professor de Ética do Departamento de Direito da UFES, ex-secretário de Direitos Humanos no ES.
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