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Verticalização de Dourados: atentado à essência e à economia local

Reinaldo de Mattos Corrêa (*) –

Dourados, a segunda maior cidade de Mato Grosso do Sul, é um tesouro de cultura, história e vida comunitária. Os bairros tradicionais, as ruas largas e a proximidade com o campo sempre conferiram à cidade um charme peculiar, onde o equilíbrio entre o desenvolvimento urbano e a qualidade de vida parecia ser uma promessa implícita para as futuras gerações. No entanto, nos últimos anos, um fenômeno preocupante tem ganhado força: a verticalização desenfreada da cidade. Mais do que um simples processo arquitetônico, essa tendência representa um atentado à essência de Dourados e traz consigo prejuízos econômicos profundos que afetam diretamente a população.

Perda da Identidade Urbana

A verticalização não é apenas sobre construir prédios altos; ela é também sobre apagar a memória coletiva da cidade. Em Dourados, bairros outrora marcados por casas térreas, quintais amplos e árvores frondosas estão sendo substituídos por torres de concreto que pouco dialogam com a paisagem local. Essa transformação não apenas altera a estética da cidade, mas também dilui a identidade cultural dos moradores. Onde antes havia convivência comunitária, agora há isolamento em apartamentos que se multiplicam como caixas empilhadas. A cidade perde a alma, e com ela, parte do valor como destino humano e turístico.

Prejuízos Econômicos à População

Embora os defensores da verticalização argumentem que ela é sinônimo de progresso e modernidade, os números e a realidade local contam outra história. A construção desenfreada de edifícios impacta negativamente a economia da cidade de diversas maneiras:

  1. Encarecimento do Custo de Vida

A verticalização tende a aumentar o valor dos imóveis nas áreas centrais, expulsando famílias de classe média e baixa para regiões periféricas. Esse processo, conhecido como gentrificação, eleva o custo de vida para todos. Comerciantes locais, que dependem da clientela de bairros tradicionais, veem suas vendas diminuírem à medida que os antigos moradores são substituídos por residentes temporários ou investidores ausentes. O resultado é uma economia cada vez mais concentrada e excludente.

  1. Impacto Negativo no Comércio Local

O surgimento de condomínios verticais muitas vezes atrai grandes redes comerciais e franquias, que se instalam nas proximidades desses empreendimentos. Enquanto isso, pequenos comércios familiares, que sustentam a economia local e geram empregos diretos, são marginalizados. A falta de planejamento urbano resulta em uma cidade onde o dinheiro circula menos e beneficia menos pessoas, concentrando riqueza em poucas mãos.

  1. Pressão Sobre Infraestrutura Pública

A construção de edifícios altos exige uma infraestrutura que Dourados ainda não possui. Água, energia, saneamento básico e transporte público são sistemas que não foram projetados para suportar a densidade populacional que a verticalização impõe. Isso leva ao aumento dos custos públicos para manutenção e expansão desses serviços, recursos que poderiam ser destinados a outras áreas prioritárias, como saúde e educação. A conta, inevitavelmente, chega ao bolso do cidadão comum, seja por meio de impostos mais altos ou tarifas públicas majoradas.

  1. Desvalorização do Patrimônio Existente

Imóveis residenciais e comerciais já consolidados, especialmente aqueles localizados em bairros tradicionais, perdem valor à medida que novos prédios são erguidos ao redor. Famílias que investiram décadas de trabalho na compra de suas casas veem seu patrimônio desvalorizado, enquanto o mercado imobiliário especulativo se beneficia. Esse cenário cria uma sensação de injustiça e frustração entre os moradores mais antigos, que são forçados a vender suas propriedades por valores abaixo do justo ou enfrentar a deterioração de seus bairros.

  1. Impacto Ambiental e Social

A verticalização também agrava problemas ambientais, como o aumento das ilhas de calor, a redução das áreas verdes e a impermeabilização do solo. Esses fatores têm impactos econômicos diretos, como o aumento dos custos com saúde pública devido a doenças respiratórias e a necessidade de investimentos em sistemas de drenagem para evitar enchentes. Além disso, a concentração populacional em áreas pequenas sobrecarrega escolas, postos de saúde e outros serviços públicos, prejudicando a qualidade de vida da população.

Alternativa Possível

É possível desenvolver Dourados sem sacrificar sua essência e sua economia. Investir em um planejamento urbano horizontal, que preserve os bairros tradicionais e incentive o crescimento ordenado da cidade, é uma solução viável. Incentivar a ocupação de áreas periféricas com infraestrutura adequada, priorizar a construção de habitações acessíveis e estimular o comércio local são estratégias que garantem desenvolvimento sustentável sem comprometer o bem-estar da população.

A verticalização desenfreada é uma escolha política, não uma fatalidade. E como toda escolha, ela carrega consequências. Em Dourados, essas consequências são profundamente negativas, tanto para a identidade da cidade quanto para a economia local. É hora de questionarmos: queremos uma cidade que sirva aos interesses de poucos ou que abrace a todos? A resposta deve vir das vozes que realmente importam: as dos cidadãos que vivem, trabalham e constroem o futuro de Dourados todos os dias.

Conclusão

A verticalização não é progresso; é um retrocesso disfarçado de modernidade. Ela esmaga a identidade de Dourados, sufoca a economia local e isola a população. Defender uma cidade mais humana, equilibrada e justa é um dever de todos nós. Antes que o concreto engula nossas raízes, precisamos agir. O futuro de Dourados está em jogo, e ele não pode ser entregue às mãos de especuladores imobiliários.

*Produtor Rural em Mato Grosso do Sul.

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