Wilson Matos da Silva (*) –
No Brasil, os povos originários ainda tentam apaziguar os espíritos de uma sociedade que insiste em apagar suas existências. Mas até quando suportaremos calados?
Todos os anos, quando se aproxima a chamada “semana do índio”, pipocam nas escolas e nas redes sociais imagens folclorizadas de nossas culturas: cocares coloridos, danças ritualísticas, desenhos com tinta guache. Mas quase nunca se pergunta: como vivem os povos indígenas no Brasil hoje?
O Brasil é um país fundado sobre a violência contra seus povos originários. E esta violência, ao contrário do que muitos pensam, não pertence ao passado. Ela se reinventa, se institucionaliza, se mascara em discursos de progresso, mas segue presente em cada esquina onde uma criança indígena morre de fome, onde uma comunidade é despejada de seu território, onde um povo é silenciado por falar sua própria língua.
Falar de nós, nesta semana, é lembrar que não somos fantasmas de um passado longínquo, nem personagens de livro didático. Somos parte viva deste país, somos seu alicerce esquecido, somos seu futuro negado.
Seguimos sendo assassinados por madeireiros, por grileiros, por homens fardados que escolhem obedecer a ordens injustas em vez de proteger vidas. Seguimos sendo alvo de um genocídio silencioso — aquele que mata com a fome, com a ausência, com a ignorância.
Mas se é verdade que a dor indígena tem raízes profundas em todo o território brasileiro, aqui no nosso chão — onde o cerrado sangra e o milho já não nasce como antes — ela se apresenta com faces ainda mais brutais.
Nossos tekohas, reduzidos à ínfima porção de terras, se transformaram em verdadeiros campos de concentração a céu aberto, onde se acumulam famílias inteiras sem acesso ao mínimo para viver com dignidade. Falta água potável. Falta terra para plantar e colher. Falta saúde, falta escola, falta presença do Estado.
Mas sobra repressão, criminalização, silêncio e abandono. Aqui, onde o solo é fértil e a vida pulsa, muitas vezes só nos resta a dor. Do trabalho semiescravo nas lavouras de soja. Da prostituição infantil que brota como denúncia abafada nas vielas da reserva. Da fome e da desnutrição que ceifa nossas crianças antes mesmo que elas possam correr livres pelos caminhos da mata.
E o Estado? Segue de olhos fechados, omisso quando deveria ser protetor, e cruel quando deveria ser justo. Empurra-nos ao esquecimento, como se fôssemos obstáculos ao seu projeto de progresso que mata.
Mas nós estamos vivos. Vivos em nossos cantos, em nossas línguas, em nossas memórias. Vivos nos gritos das mães que enterram filhos cedo demais. Vivos nas mãos calejadas que ainda semeiam esperança.
Nesta semana do índio, não queremos mais o papel de coadjuvantes nos palcos enfeitados para agradar forasteiros. Queremos ocupar com dignidade o lugar que é nosso por direito: o de protagonistas da história viva deste país. E que essa história seja contada sem filtros, sem maquiagem, sem medo.
Não escolhemos a guerra, mas não fugimos dela. Porque resistir, para nós, não é escolha. É modo de existir. E ainda que o mundo insista em nos apagar, seguiremos acendendo nossos fogos, PARA QUE O BRASIL FINALMENTE ENXERGUE E RESPEITE A SUA PRÓPRIA RAIZ.
(*) É Indígena, Advogado Criminalista OABMS 10.689, especialista em Direito Constitucional, é Jornalista DRT 773MS. residente na Aldeia Jaguapiru – Dourados MS. [email protected]