Erminio Guedes (*) –
O que ocorre nos últimos tempos no Rio Grande do Sul, não é obra do acaso ou de credos, como muitos acreditam. As secas e enchentes vêm das mudanças climáticas que ocorrem, particularmente no Brasil.
Em 2024 e tragédia anunciada. Uma demonstração de revolta da natureza às ações humanas e a confirmação das irresponsabilidades dos poderes públicos na prevenção de riscos climáticos. Tragédias nas cores das políticas nacionais, de governadores, prefeitos e parlamentares, municipais, estaduais e federais. Um produto do alinhamento contra a natureza e a favor dos infratores ambientais. Essa gente toda, no tempo, fez arranjos para favorecer saqueadores da natureza, sem medir consequências. O resultado da nefasta obra é o que estamos vendo. Biomas brasileiros no estertor, a começar na Mata Atlântica e na Caatinga, que já ultrapassaram o ponto de não retorno e a caminho, o Cerrado, Pampa, Pantanal e Amazônia Legal.
A água que deveria cair no centro do País é desviada ao Sul do País (RS e SC), por pressão do fogo no Cerrado e na Amazônia Legal. No centro Oeste, o Pantanal morrendo seco por falta de chuvas na Bacia do Rio Paraguai. Tudo encadeado na apropriação indevida da natureza, para extrair predatória e ilegalmente os seus recursos.
As tragédias crescem na verdade histórica da destruição da natureza. O Rio Grande do Sul foi o primeiro a derrubar florestas para criar gado e, depois, plantar trigo, milho e soja. A Mata Atlântica originalmente ocupava 37% do território gaúcho e hoje resta apenas 7%. Da mesma forma, o Pampa já perdeu perto de 40% do seu território nas intervenções do sistema agroindustrial. Tudo, passando por mãos plácidas de governantes locais, em conluios com servidores do agroquímico dominante. Planícies com ricas pastagens nativas, próprias a criação de gado em sistemas agroecológicos, estão no rito do neoliberalismo agroindustrial, para plantar soja.
No banking da banca ruralista do Congresso Nacional e na Assembleia Legislativa, gaúchos colocam suas digitais nos desmontes das políticas ambientais e dos ecossistemas, por facilidades ao desmatamento. Nas câmaras de vereadores, caixas de ressonâncias dos crimes ambientais. Exemplos na mutilação da lei nº 14.785/2023 que regula agrotóxicos no Brasil e no Projeto de Lei 364/19, aprovado na Câmara dos Deputados, em março de 2024, que abre espaço à destruição da biodiversidade e a devastação da vegetação não florestal do país.
Na prática, o Projeto torna vulnerável 48 milhões de hectares (área equivalente ao Rio Grande do Sul e Paraná juntos), permitindo desmatar e queimar os biomas Pantanal, Cerrado, Pampa e, inclusive, a Amazônia Legal. O projeto ainda abre brecha à regularização de imóveis rurais ocupados ilegalmente, inclusive dentro de Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reservas Legais (ARL). Trata-se de uma anistia a fazendeiros que proferem o crime, em vez da lei, porque a impunidade compensa.
Se a lei passar no Senado, na prática, poderiam ser riscados do mapa mais de 50% do Pantanal, 32% dos Pampas, 7% do Cerrado e 15 milhões de hectares na Amazônia Legal. O autor da maracutaia é o Dep. Alceu Moreira (MDB-RS), da bancada ruralista e o relator na CCJ foi o gaúcho Lucas Redecker (PSDB-RS). Ou seja, os gaúchos elegeram raposas para cuidarem do galinheiro.
Em outras palavras, a tragédia no Rio Grande do Sul, têm as cores de seus representantes políticos, sujas prioridades são servirem aos interesses agroindustriais, que os elegeram. E, o povo que pague a conta dos estragos. Quanto custará aos cofres públicos e às famílias sinistradas, os efeitos das enchentes de 2023/2024, no RS? Quem pagará essa conta bilionária? Será o povo, que verá impostos recolhidos ao tesouro nacional e estadual serem destinados a cobrir o mal feito de governantes inescrupulosos. Serão bilhões de reais remanejados, justamente, à reconstrução do Estado.
O Governador e o Prefeito de Porto Alegre, negam negligência na prevenção às cheias do Guaíba e parlamentares gaúchos se escondem de seus atos. Na verdade, os atuais comandos políticos dos gaúchos (estado, municípios e parlamentares) estão a serviço de negar o aquecimento global e as mudanças climáticas, para justificar atitudes contrárias aos interesses coletivos. A rigor, são agentes que constroem o Brasil para seus asseclas e não para os brasileiros. Afinal, quem autoriza a ocupação de APP (área de preservação permanente) e de ARL (área de reserva legal)?
É hora da população “dizer basta” e mover ações de responsabilidades na justiça, contra os infratores. Assim, já ocorre em países desenvolvidos e aqui pode ser a atitude para estampar o descaramento político nas mudanças climática. Os planos diretores dos municípios, com raras exceções, devem ser descartados, porque só prestam para legalizar infrações, permitindo ocupação irregular do solo urbano e uso incorreto do solo rural.
Se as cidades não estivessem cravadas nas beiras de rios e nas encostas dos morros, o desastre não existiria. Se a agricultura não derrubasse florestas e compactasse o solo, a água infiltraria e as enchentes seriam mais brandas. Sim. A floresta infiltra 70% da água da chuva e num solo limpo e compactado escorre perto de 80% dela aos rios.
O caso gaúcho é pedagógico na solidariedade e na fraternidade, no que se deve fazer e no que não fazer. Infelizmente, o pecado de alguns na natureza, será pago pela maioria inocente. O rio pede passagem, na velocidade dos erros a montante e quem estiver na barranca será arrastado pela água desgovernada. Isso é inexorável, ou governos criam juízo e impedem infratores de continuarem crimes, ou o mundo desmorona.
A temperatura da terra já subiu 1,5oC, no limite das consequências que se aproximam do ponto de ruptura, mas continuamos como sonâmbulos rumo ao precipício. Urgente a transição para energias limpas (eólica, solar, biomassa, HVerde e outras) em substituição aos combustíveis fósseis, assim como cessar os desmatamentos florestais no Brasil, como saída do risco climático.
Dourados (MS) em situação semelhante. APP e ARL desrespeitas e o solo cada vez mais compactado, no campo e na cidade. Obras mal planejadas dificultam a infiltração de água no solo e facilitam o escorrimento superficial e veloz, em enchentes. De 8 córregos de Dourados 95% da mata ciliar (APP), não existe mais. Exemplos de riscos de enchentes, nos córregos Laranja Doce, Rego D’Água e Paragem. E o Plano Diretor? Bem esta é peça anti-ambiental. Podemos começar outro.
Preocupa ficarmos presos na lógica de corrigir, colocar remendos, amarrar com arame, enquanto avança a deterioração ambiental. Supor que qualquer problema possa ser resolvido com dinheiro alheio em novas intervenções técnicas e financeiras, é pragmatismo necrófilo, não só ao meio ambiente, mas à vida da população.
Sem dúvidas, o mundo está desmoronando e aproximando do ponto de ruptura, mais cedo do previsto. Tempo de encorajar lutadores, a partir da base, a enfrentar o status quo do mal, nos cartórios dos crimes ambientais e nas diversas instâncias de poder.
Pensem nisso!
(*) Consultor