Wilson Matos da Silva (*) –
A falta de acesso à água potável é uma das formas mais cruéis de violação de direitos humanos. No entanto, essa realidade persiste nas Aldeias, em Dourados-MS, onde a população indígena tem enfrentado condições desumanas de abastecimento de água, afetando sua saúde, higiene e dignidade. Este cenário escancara não apenas o abandono histórico dos povos originários, mas também a omissão do poder público em garantir direitos fundamentais.
O povo Guarani, Kaiowá e Terena das Aldeias Jaguapiru, Bororó e Panambizinho, em Durados MS, vive uma realidade paradoxal: estão cercados por discursos de “articulação”, “gestão” e “solução”, mas permanecem sem o direito mais básico para a sobrevivência humana: a água.
O cenário repete-se ano após ano, reuniões são convocadas, atas são redigidas, promessas são renovadas, mas a torneira segue seca. Enquanto isso, protestos pacíficos por esse direito fundamental são recebidos com bombas de efeito moral e balas de borracha, e lideranças que ousam levantar a voz são criminalizadas.
O mais recente capítulo desse teatro político ocorreu na Reunião de Integração e Desenvolvimento (RID). O encontro foi marcado pela mesma dinâmica de sempre: recapitula-se o histórico da crise, discutem-se soluções “emergenciais”, formalizam-se encaminhamentos para “avaliação técnica”, distribuem-se responsabilidades entre diferentes órgãos e agendam-se novas reuniões para “acompanhamento”. Um ciclo interminável de inércia institucional.
Os compromissos assumidos incluem desde o pedido de abastecimento emergencial de água pela Sanesul, a inspeção da rede elétrica pela Energisa, até a substituição de bombas de poços pelo DSEI-MS. O Ministério Público Federal (MPF), exercendo sua função institucional da proteção e a defesa dos Direitos indígenas, se compromete a buscar recursos adicionais e dialogar com autoridades municipais, estaduais e federais. Mas, na prática, as soluções efetivas são sempre adiadas. A crise persiste, afetando escolas, famílias e toda a estrutura comunitária.
Essa política de omissão sistemática fere não apenas a dignidade dos povos indígenas, mas também o ordenamento jurídico brasileiro. O artigo 2º da Lei 6.001/73 – Estatuto do Índio – estabelece que “cabe à União, aos Estados e aos MUNICÍPIOS, respeitadas suas competências, assegurar aos índios a assistência adequada, com a efetiva participação destes na solução dos problemas que os afetam”. Isso significa que o Município de Dourados tem uma responsabilidade direta e inalienável sobre o problema do abastecimento de água nas comunidades indígenas.
Porém, o que se observa é um retrocesso institucional. Durante a campanha municipal, defendi a criação de uma Secretaria Municipal dos Povos Originários, como um instrumento para fortalecer a articulação de políticas públicas voltadas à população indígena. Apresentei essa proposta ao atual prefeito, que se comprometeu a considerar sua implementação.
No entanto, ao invés de avançarmos, houve retrocesso: a Coordenadoria dos Povos Indígenas, criada no governo Murilo, com status de secretaria, com 11 DGAIs, sendo 2 DGAI – 3 4 DAGI- 4, 5 DGAI – 5, sendo sucateada de lá para cá, que já possuía uma estrutura precária, foi reduzida em apenas um DGA – 4. O resultado é a ampliação do abismo entre as promessas políticas e as necessidades reais da comunidade.
Não se pode mais aceitar essa farsa. É preciso denunciar a política de negação de direitos que se perpetua por meio dessas reuniões estéreis. A água é um direito fundamental, garantido pela Constituição Federal e por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Não é uma “benesse” que dependa da boa vontade de governantes, mas um direito que deve ser assegurado por políticas públicas eficazes e não por remendos paliativos.
Os povos indígenas seguem resistindo, reivindicando o que lhes é devido. A pergunta que fica é: até quando o poder público continuará utilizando esses encontros como cortina de fumaça para esconder sua omissão? Até quando os povos indígenas terão que enfrentar balas e bombas para exigir o mínimo para sobreviver?
A comunidade não precisa de mais reuniões. Precisa de ação concreta. E para isso, é necessário que o Município de Dourados assuma sua responsabilidade e pare de se esconder atrás de promessas vazias.
(*) É Indígena, Advogado Criminalista OAB-MS 10.689, especialista em Direito Constitucional, é Jornalista DRT 773/MS. Residente na Aldeia Jaguapiru – Dourados MS. [email protected]