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Beth Salomão e a simbiose entre o pai, Jorge Antônio, a Rádio Clube e Dourados

A radialista Elisabeth Salomão, mais conhecida como “Beth” participou do livro “Minha história em Dourados” publicado pela Folha de Dourados e pela Agência 2Mil Publicidade em abril deste ano, com um propósito muito oportuno: relatar parte da história de seu pai Jorge Antonio Salomão, um dos pioneiros do rádio douradense.

A simbiose entre Dourados e o radialista, relata Beth, teve início na década de 50 e perdurou até os últimos dias de Jorge Antônio, que contava a todos que o encontro “foi paixão à primeira vista”, tanto pela cidade quanto pelo seu povo.

“Essa história, eu ouvi de meu pai, por várias vezes, quando eu era uma menina. Quando ia contá-la, seus olhos brilhavam de uma maneira diferente, demonstrando a paixão que ele sentia não apenas pelo rádio, mas também pela emissora que ele dirigia com tanto carinho”, conta a radialista, com saudade.

A íntegra da história publicada no livro está reproduzida a seguir, na fala de Elisabeth Salomão.

O radialista que amou Dourados e sua gente

Jorge Antônio Salomão! Que privilégio o Jorginho, o Zezo e eu tivemos por chamá-lo de pai. Dividimos esse afeto com colegas de trabalho e amigos que o tratavam de pai, paizão, tio Jorge, veio Jorge e por outros apelidos carinhosos, hoje chamam-no de Jorjão. Meu pai deixou um lindo legado de coragem e fé para nossa família em Dourados e por onde passou.

Ele tinha gosto por mesa farta, especialmente comida árabe, muito bem preparada pela minha mãe, e gostava de receber os amigos em volta de sua mesa. À noite, depois do café com os amigos no Bar Luchese, retornava para casa, alimentava-se de frutas e castanhas, assistindo a filmes na TV. No dia seguinte, com seu jeito de contador de histórias, nos encantava com a sua narrativa. 

Recordo-me bem da sua paixão pelo tango; quando dançava com a minha mãe, o salão parava para vê-los. Recordo-me com saudades, quando seus netos chegaram, ele amava ser chamado de VOVÔ. Inicialmente pela Tatiane, depois pela Alessandra, pela Najla, Youssef, Thiago, Yuri, Thais, Caroline e por seu bisneto, Beto. Seus Olhos brilhavam ao vê-los e ao falar deles.

O seu passatempo preferido era uma boa pescaria, parecia uma mudança, logo entravam em ação o Pipoca (Hermelindo Azevedo), o Ismael e o Otavio; acompanhado de meus irmãos e amigos realizavam pescarias memoráveis. 

Gratidão era uma característica pessoal, ele dizia sempre que Dourados o havia acolhido com muito carinho, inicialmente por meio dos ouvintes e depois por meio das famílias Fioravante, Rosa, Lourenço, Bussuan, Pires, Moraes, Mattos, Azambuja, Benedetti, Martins, Bonfim, Bergo Duarte, Camilo Hermelindo da Silva, Miguel, Amaral, Torres, Capilé, Razuk, Arteiro, Marcondes, Perazzolo e de muitas outras com as quais até hoje mantemos amizade. Os funcionários sempre foram amados por ele, muitos estão na área da comunicação, por exemplo, na Rádio Clube e na Rádio Itaporã até os dias atuais. 

A sua fé inabalável em Deus e a sua devoção em Nossa Senhora deixaram lembranças lindas da hora do Angelus na Rádio Clube, quando ao final da tarde, com sua voz incomparável – forte e ao mesmo tempo suave – dirigia suas preces a Deus e a seus ouvintes. 

A seguir, nos próximos parágrafos, lemos uma narrativa (resultante de entrevista por mim concedida) sobre parte de sua história, escrita por Nicanor Coelho (in memoriam), Osni Dias e Ricardo Minella. E “encerro minhas palavras”, como ele dizia, agradecendo a Deus e à cidade de Dourados que, com tanto amor nos acolheu. 

————-

A radialista e empresária Elizabeth Salomão é filha do casal Jorge Antônio Salomão e Maria da Rocha Salomão, ambos falecidos. Ainda pequena, acompanhava o pai no serviço de alto-falante na cidade de Indiana, interior de São Paulo. Depois, mudou-se para Dourados, quando o pai resolveu retomar as atividades da Rádio Clube, que, na época, encontrava-se desativada. Desde então, foi testemunha dos primeiros passos de Jorge Antônio na emissora que, na era de ouro do rádio, era audiência obrigatória em praticamente todos os lares douradenses.

Nessa entrevista, ela conta os percalços iniciais e as conquistas que levaram seu pai a ser um radialista respeitado em todo o Mato Grosso do Sul, e a Rádio Clube a ser um dos principais veículos de comunicação do estado, principalmente pela determinação de um homem que colocava a missão de servir à população como sua causa principal.

Elizabeth e seus filhos, Najla, Youssef e Yuri, continuam à frente da rádio até os dias de hoje, seguindo a missão de seu Jorge.

Ondas em direção a Dourados

Meu pai, Jorge Antônio Salomão (in memoriam), era filho de imigrantes libaneses que se estabeleceram na cidade de Indiana, interior do estado de São Paulo. Nasceu em Porto Alegre, em 6 de dezembro de 1914. Foi casado com Maria Madalena da Rocha Salomão (in memoriam), e, desta união, formamos uma família com três irmãos: eu, o Jorge Roberto e o José Antônio. Desde pequeninha, convivi com meu pai sendo um comunicador. Tudo começou com um serviço de alto-falante que ele montou em Indiana, e não parou mais. Ele era muito inteligente e resolveu ingressar na radiodifusão, sendo, inclusive, fundador de várias emissoras, entre elas, a nossa Rádio Clube de Dourados. Somente para a rede Piratininga, montou dez estações desde a base. Depois, ajudou a dirigir outra rede com 36 estações.

A vinda dele para Dourados se deu no final da década de 50. Minha mãe contava que, depois de alguns anos montando e dirigindo emissoras de terceiros, papai resolveu ter seu próprio negócio. E falando isso para um amigo que ele tinha na época, o deputado federal Mário Eugênio, ouviu o conselho para vir a Dourados, onde havia uma rádio que estava abandonada. Então, ele foi ao Rio de Janeiro verificar a documentação e achou por bem fazer o negócio. Depois veio a Dourados para iniciar uma nova fase em sua vida. Foi paixão à primeira vista, tanto pela localidade quanto pelo povo que aqui vivia.

Essa história, eu ouvi de meu pai, por várias vezes, quando eu era uma menina. Quando ia contá-la, seus olhos brilhavam de uma maneira diferente, demonstrando a paixão que ele sentia não apenas pelo rádio, mas também pela emissora que ele dirigia com tanto carinho. Dizia ele das dificuldades iniciais, porque nessa época em Dourados não tinha energia elétrica, não havia meios de transporte rápido; profissionais e técnicos da área, então, nem se fala. 

A Rádio Clube foi fundada em 12 de outubro de 1657, estava temporariamente desativada quando ele aqui chegou. Porém, mesmo diante dessa realidade, meu pai trabalhou e colocou a rádio para funcionar. Desde então, a emissora está no ar ininterruptamente, ou seja, há sessenta e seis anos.

Mas voltando a falar sobre o início, meu pai relatava que foram dias muito difíceis, que requeriam uma pertinácia e visão de futuro, pois, caso contrário, a realidade era desanimadora. Além das questões técnicas, o fato de na época não haver outras emissoras com programas de qualidade levava as pessoas a não terem o hábito de ouvir rádio em ondas médias, aqui na região. Contudo, um fator que impulsionava meu pai era o de que ele se apaixonou pela cidadezinha que Dourados era, então. 

Primeiros anos da Rádio Clube

Para alterar essa realidade, meu pai fez importantes mudanças e qualificou a programação, criando atrações musicais que começaram a cair no gosto dos douradenses. Na sequência, ele fundou também emissoras em Ponta Porã, Itaporã, Caarapó e Corumbá.

Nos primeiros anos, a Rádio Clube não tinha programa jornalístico, mas meu pai sabia que, para cumprir seu papel na comunicação, isso era uma necessidade. Mas, diante de todas as dificuldades, como ter acesso à informação e repassá-la aos ouvintes? Era preciso determinação e criatividade, e meu pai foi criando alternativas. A saída foi selecionar notícias de rádios dos grandes centros e incluí-las na programação local. Havia outro recurso, que, no jargão jornalístico, é apelidado de “tesoura press”: o recorte de notícias de jornais impressos para serem lidas no ar. Era dessa forma que os principais acontecimentos nacionais e mundiais eram levados aos ouvintes douradenses.

Jornalismo e “bronca” nas coisas erradas

Depois de algum tempo, o sucesso da estratégia levou meu pai a contratar uma equipe de jornalismo e esportes, formada por jovens que estavam iniciando carreira no rádio e, na verdade, a Rádio Clube foi uma verdadeira escola de radiodifusão e jornalismo na época. Foi criado, então, um programa que conquistou a sintonia dos lares douradenses por décadas, chamado “Fatos e Notícias”, e passou a ser audiência obrigatória no horário do almoço. 

Sempre atento e disposto a levar informação de qualidade e rapidez, meu pai percebeu que deveria ampliar a abrangência da cobertura jornalística, e assim contratou repórteres para trabalhar fora do estúdio, os quais, por meio do telefone ou de um carro com a radiofrequência, faziam entradas com informações em tempo real e no local dos acontecimentos.

Consolidando a Rádio Clube na área de entretenimento, com programas matinais que levavam música e informações leves aos ouvintes, meu pai não se acomodou. Ele queria sempre mais. Foi então que, na década de 60, em pleno regime militar, resolveu apresentar um programa, ao mesmo tempo de informação e de opinião, chamado “A Bronca”. 

Muitas vezes eu ficava no estúdio, vendo e ouvindo meu pai entrevistar as mais diversas personalidades locais e estaduais, ler notícias e fazer comentários, sempre muito abrangentes e balizados sobre diversos assuntos. Mas havia um ponto que ele sempre enfatizava: a religiosidade, a valorização da família e dos preceitos cristãos, os bons costumes. Assim, ele utilizava o rádio para levar mensagens de fé e esperança em Deus. Foi dessa forma que ele se tornou um radialista muito respeitado e conhecido em toda a região.

No entanto, o fato de meu pai falar a verdade em seu programa incomodou muita gente. Ele chegou a ser detido por falar do prefeito; quando o povo ficou sabendo, quase derrubou a cadeia. Ele fazia um jornalismo polêmico e até audacioso, para a época. Para você ter uma ideia, na estreia do programa, ele “esculachou” com a polícia, por ela ter participado de uma pancadaria em um bairro da cidade, naquele mesmo dia. Meu pai me contava que quinze minutos depois de o programa ter ido ao ar, mais de sessenta pessoas compareceram à rádio, todas falando que ele estava louco, que ia acabar morrendo. Ele recebeu mais de duzentas cartas com ameaças de morte. Demonstrando uma espantosa coragem, leu todas no ar e desafiou os mandantes, dizendo: “Se você for homem, marque o dia e a hora para resolver o assunto pessoalmente”. 

Prestação de serviços: passo histórico

Com o sucesso de mais este programa, meu pai poderia considerar que já tinha conquistado tudo em sua área de atuação. Mas ele era inquieto e queria avançar sempre, e foi assim que tomou uma decisão que eu considero uma das mais importantes para a Rádio Clube: torná-la uma prestadora de serviço aos cidadãos, principalmente aos mais necessitados. 

Naquela época, a cidade de Porto Murtinho foi vítima de uma enchente histórica, e então a Rádio Clube fez uma campanha que conseguiu arrecadar treze caminhões carregados de doações para as famílias que tinham perdido tudo. Ficamos uma semana com uma programação voltada para essa campanha e conseguimos enviar para lá milhares de itens, entre eles: alimentos, remédios, roupas, calçados, cobertores, enfim, foi uma ação da qual até hoje me lembro com muita emoção e carinho, pelo coração humanitário e fraterno de meu pai. 

Entremeio à sua atuação no rádio, meu pai também tinha grande apreço pela política, como forma de trabalhar pela conquista de melhores dias para a população. Foi assim que ele se candidatou a prefeito em 1969 e acabou eleito. Administrou Dourados até 1973, voltando a comandar a emissora a partir de então. Já nos anos 90, criou um outro programa, denominado “Falando Sério”, semelhante ao “A Bronca”, com ênfase na visão crítica dos fatos e prestação de serviços.

“Tá valendo!” e tá valendo muito…

Meu pai esteve à frente dos microfones até 2003, quando em razão de problemas de saúde já não conseguia mais estar diariamente na emissora. Este homem, que sempre foi minha paixão, nos deixou em 2 de maio de 2004, vítima de parada cardiorrespiratória, aos 90 anos de idade, deixando esposa, filhos, netos e bisnetos, todos também apaixonados pelo rádio, meio de comunicação que ele considerava extraordinário.

A visão que ele tinha, em certos casos, era a de algumas décadas além de seu tempo. Um exemplo: quando surgiu a Internet, muitas pessoas disseram que o rádio estava fadado ao desaparecimento. Meu pai, no entanto, discordava e dizia: “Pelo contrário, a Internet vai ser uma ferramenta a mais para a radiodifusão”. E hoje vemos que ele estava muito certo!

A grande verdade é que a figura de meu pai está marcada para sempre na história de Dourados, porque ele amou a cidade e sua gente, desde que aqui pôs seus pés pela primeira vez. Seu principal instrumento de trabalho era a voz, que colocou a serviço do progresso, das causas nobres, da vida e das pessoas mais humildes. Seu bordão “tá valendo”, que sempre soltava depois de uma abordagem, está na memória de tantos quantos o conheceram ou ouviram por meio das ondas da Rádio Clube. 

Por isso eu digo: “Tá valendo!”, tá valendo muito, e sempre estará, ‘Seu’ Jorge Antônio Salomão!

Beth Salomão e a simbiose entre o pai, Jorge Antônio, a Rádio Clube e Dourados

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