Mário Cezar Tompes da Silva (*) –
Um prefeito, de posse da máquina pública, não conseguir a reeleição não é algo usual. É antes exceção. A regra é a reeleição, em função das evidentes vantagens que um prefeito usufrui em um processo eleitoral. Os instrumentos disponibilizados pelo poder municipal abrem um amplo horizonte de possibilidades de ação. Permitem atender demandas e usufruir da gratidão dos atendidos. Projetam e fornecem ampla visibilidade ao titular do cargo. Essas vantagens, em regra, geram votos suficientes para assegurar a recondução ao cargo. No entanto, não foi o que ocorreu no último processo eleitoral douradense.
Em geral uma derrota eleitoral não resulta de um único motivo. É um conjunto de fatores que conspira para o revés nas urnas. Em Dourados, a precariedade do sistema de saúde municipal e a crônica insuficiência de vagas nas escolas e CEINs, mazelas já antigas que se arrastaram por sucessivas administrações, persistiram, com muito empenho, atormentando os cidadãos douradenses na gestão do alcaide atual. São dois fatores clássicos de desgaste que teimam em erodir a imagem dos gestores douradenses. São, no entanto, desafios que pela abrangência e complexidade demandam substancial volume de recursos e competências para solucioná-los. A atual gestão, a exemplo das passadas, decidiu não arriscar e, à exceção do polêmico projeto de implantação da robótica nas escolas, conduziu saúde e educação no rame-rame costumeiro.
A estratégia para a reeleição foi alicerçada em outra frente, aparentemente mais promissora, a contratação de um financiamento de respeitáveis U$ 40 milhões (contrapartida de U$ 10 milhões do município) que viabilizaria uma pletora de projetos de impacto (implantação de parques urbanos, vias parques, revitalização da usina velha, criação de usina de triagem de resíduos, duplicação de avenidas etc.).
Desafortunadamente, injunções da realidade (a burocracia do Fonplata, as deficiências da prefeitura e uma ânsia de correr com o processo por parte dos gestores municipais e os erros daí decorrentes), terminaram por inviabilizar o início da maior parte das obras antes do início da campanha eleitoral. Assim, bem cedo, ficou evidente que esse era um processo de mais longo prazo cujo retorno político só poderia ser usufruído se houvesse um segundo mandato.
Frente a essa realidade, ficava evidente a necessidade de se buscar outra estratégia de viabilidade eleitoral de mais curto prazo. Em circunstâncias assim, uma saída viável é fazer bem feito o “feijão com arroz”, ou seja, realizar uma boa zeladoria da cidade. Inclui atividades prosaicas como tapar os buracos das ruas, trocar luminárias queimadas, manter um bom serviço de varrição e limpeza, promover um paisagismo atraente, garantir o bom estado de praças e parques etc. Um bom padrão de zeladoria invariavelmente reverte em satisfação dos moradores que tendem a retribuir com reconhecimento o gestor público zeloso.
Nesse sentido, a atual gestão teve um início bastante desfavorável, desgastando, desde esse primeiro momento, a imagem do prefeito. Os muitos buracos e não poucas crateras nas vias públicas torturaram os douradenses por um bom tempo. Muita insatisfação também em decorrência da falta de agilidade na troca de numerosas luminárias queimadas, a limpeza urbana em nenhum momento foi uma prioridade e bem pouca atenção foi dispensada à manutenção de praças, parques, calçadas e canteiros centrais. Esse mal início muito cedo estabeleceu fortemente, entre parcela significativa da população, a imagem de um gestor débil. Com o decorrer do tempo essa primeira impressão terminou por tornar-se arraigada a ponto de não mais ser possível revertê-la.
Somente quem transita com seu automóvel em vias malconservadas e tem a má sorte de cair em uma cratera avantajada conhece o sentimento de frustração, impotência e ódio direcionado à prefeitura nessas ocasiões. A mesma frustação que afeta os cidadãos que solicitam uma, duas, três vezes ou mais a troca da luminária queimada em frente a sua residência e permanecem sem atendimento. É bem verdade que algum tempo mais tarde, como decorrência de investimentos estaduais, boa parte da malha asfáltica da região central foi recapeada, resolvendo enfim o problema de um asfalto que estava há muito com sua vida útil vencida. Mas essa ação foi entendida pelos douradenses, corretamente aliás, como sendo uma iniciativa do governo do estado, não da prefeitura. Ademais, as ruas dos bairros não contemplados com o recapeamento, e sobretudo seus moradores, continuaram sendo penalizados com a buraqueira onipresente.
Bem mais recentemente, boa parte das principais avenidas da cidade foi contemplada com novas luminárias de led o que proporcionou uma iluminação pública de qualidade superior. No entanto, tal benefício, além de muito restrito às vias mais importantes, foi implantado já na véspera do processo eleitoral, reduzindo substancialmente seu reflexo nas urnas. Como fator agravante, boa parte dos bairros continuou enfrentando uma via crucis para obter a troca de lâmpadas queimadas. Por outro lado, a limpeza urbana, a manutenção das praças, parques, canteiros centrais e o paisagismo continuaram relegados a um plano de não importância.
Até um passado recente, os prefeitos percebiam com clareza a relação entre uma boa zeladoria urbana e a satisfação dos eleitores expressa em votos nas urnas. Era muito comum o zelo dos gestores, especialmente com as áreas centrais que eram singelamente compreendidas como a “sala de estar” da cidade. A compreensão era que os centros, assim como as salas das residências, são locais que têm que estar sempre bem arrumados e apresentáveis. E estavam corretos em raciocinarem assim porque o centro é o local da cidade em que a maior parte dos moradores circula. Em algum momento do dia quase todos passam ou permanecem por lá, então o que de bom ou ruim acontece no centro, repercute entre um número muito maior de pessoas da cidade, não importa em que bairro residam.
No entanto, o centro de Dourados está bem longe de assemelhar-se a uma sala de estar. Aparenta mais o ambiente desleixado de um quarto de adolescente. A começar pela precariedade da limpeza pública, agravada pela insuficiência de lixeiras, o estado precário e imundo dos pontos de ônibus, os canteiros centrais desleixados e desprovido de um ajardinamento digno, as calçadas malcuidadas, desniveladas, apresentando uma barafunda de pisos e distintas declividades. Aliás, estas calçadas são vítimas da omissão da fiscalização da prefeitura que forneceu carta branca para que cada lojista faça a calçada que desejar, impossibilitando a adoção de qualquer padrão para o passeio público. Esse quadro é ainda agravado pela pobreza do paisagismo e a eliminação paulatina da arborização da área central.
Nos dois últimos pleitos eleitorais douradense nós testemunhamos o fato inusual dos eleitores rejeitarem a recondução dos prefeitos (Délia Razuk que sequer se recandidatou e Alan Guedes) à sua função de gestor. Particularmente durante estes dois mandatos a cidade sofreu com uma visível deficiência de sua zeladoria. Naturalmente, disso não se deve concluir que haja uma relação irrevogável entre a boa manutenção da cidade e o sucesso nas urnas. Sim, uma boa zeladoria urbana pode não ser uma garantia de vitória eleitoral, mas uma má zeladoria é, certamente, uma quase garantia de derrota. O fato é que aqui em Dourados, prefeitos que dedicaram especial atenção à zeladoria, alcançaram vitórias nas eleições. Braz Melo foi reeleito em duas eleições alternadas (1989 e 1997) e Laerte Tetila alcançou a reeleição em dois mandatos sucessivos (2001 e 2005).
Em geral as pessoas gostam da cidade em que residem e quando esta, em decorrência de um zelo especial do gestor, se apresenta imaculadamente limpa, ajardinada e muito bem iluminada, isso eleva a satisfação de seus moradores. E tal satisfação costuma ser depositada nas urnas em forma de voto de reconhecimento ao alcaide que fez brilhar com mais intensidade a cidade e o amor próprio de seus moradores.
(*) Professor de Planejamento Urbano. E-mail: [email protected]