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Wilson Mattos: ‘Demarcação já: O Estado deve cumprir antes de discutir’

Wilson Matos da Silva (*) –  

Os direitos originários dos nossos territórios não nasceram com o Estado eles o precedem ao estado brasileiro. São mais antigos que nossas leis, nossa República, nossa própria existência como nação. O artigo 67 da Constituição não inventou esses direitos; apenas ordenou que o Estado demarcasse e os reconhecesse em cinco anos. Trinta anos depois, o Estado segue em dívida com o povo que o acolheu primeiro.”

O STF declarou o Marco Temporal inconstitucional, sua decisão tinha força de mandado judicial vinculante (artigo 102 da CF), obrigando os demais Poderes a respeitá-la. A tentativa do Congresso de “rediscuti-la” via Lei 14.701/2023, e a proposta de Gilmar Mendes de reabrir o debate, podem ser consideradas como uma afronta a esse princípio, pois questionam a execução antes de cumpri-la.

O mandado judicial é uma ordem emitida por um juiz, no exercício de sua função jurisdicional, com o objetivo de garantir o cumprimento de um direito ou de uma decisão. Sua força deriva do poder do Estado, que investe o juiz como representante da autoridade pública. O princípio básico é que o mandado deve ser cumprido imediatamente, e só depois, se for o caso, pode-se discuti-lo por meio de recursos ou ações próprias. Em outras palavras: “primeiro se cumpre, depois se discute”. Isso assegura a eficácia da jurisdição e a supremacia do Judiciário na resolução de conflitos.

No meu modesto entendimento como jurista o mandamus constitucional é um comando inserido diretamente na Constituição pelo poder constituinte originário, que reflete a vontade soberana do povo. Diferentemente do mandado judicial, cuja força vem do Estado constituído (o juiz como agente estatal), o mandamus constitucional precede o próprio Estado, pois é estabelecido pelo constituinte originário, cuja autoridade emana do povo, conforme o artigo 1º da CF: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

O imperativo inserto no Art. 67. Da ADCT diz, “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição.” Esse dispositivo estabelece um imperativo categórico: o Estado deve demarcar as terras indígenas em um prazo definido (cinco anos, ou seja, até 5 de outubro de 1993).

Sua força é superior a qualquer norma infraconstitucional ou decisão estatal posterior, porque deriva diretamente da vontade popular expressa na Constituição de 1988, elaborada por representantes eleitos para concretizar os anseios da sociedade pós-ditadura, incluindo a proteção aos povos indígenas.

A meu ver a proposta do Ministro Gilmar Mendes de rediscutir o Marco Temporal, seja por meio de julgamento conjunto ou de uma “mesa de negociação”, entra em choque direto com o mandamus constitucional do artigo 67 do ADCT. Vamos analisar as implicações:

O Mandamus Constitucional (Art. 67), vem do poder constituinte originário, que é soberano e ilimitado em sua capacidade de definir os fundamentos do Estado. O artigo 67 reflete a DECISÃO DO POVO, por meio de seus representantes na Assembleia Constituinte, de garantir os direitos territoriais indígenas como prioridade absoluta. É um comando pré-estatal, ou seja, vem antes do estado, assim como também direitos indígenas que obriga Estado a agir.

Portanto a proposta de Mendes tenta subverter um comando originário do povo (art. 67) por meio de uma ação secundária do Estado, o que inverte a hierarquia normativa. Esse imperativo constitucional, tem força de mandamento vinculante e permanente até seu cumprimento, por ser emanado do Constituinte Originário. Embora o prazo de cinco anos tenha expirado em 1993, o dever de demarcar as terras indígenas não se extinguiu — apenas o lapso temporal pereceu. O Estado está em mora há mais de 30 anos, mas a norma não perdeu eficácia.

Proposta de Mendes: A rediscussão do Marco Temporal, que condiciona os direitos indígenas à ocupação em 1988, enfraquece o artigo 67, pois introduz um critério temporal posterior e incompatível com o dever de demarcação irrestrita. Negociar esse ponto seria relativizar um comando constitucional em favor de interesses políticos contingentes. O mandamus do artigo 67 exige execução plena antes de qualquer discussão, enquanto a proposta de Mendes coloca a negociação como pré-condição, ignorando a primazia do constituinte originário.

Assim como no mandado judicial (“cumpre-se antes de discutir”), o artigo 67 impõe ao Estado a obrigação de agir imediatamente — no caso, demarcar as terras. A mora estatal não anula o comando; pelo contrário, reforça a urgência de seu cumprimento. Qualquer debate sobre os direitos indígenas deve partir do pressuposto de que o Estado já deveria ter cumprido essa ordem há décadas.

DEMARCAÇÃO JÁ, imperativo constitucional – CUMPRA-SE

(*) É Indígena, Advogado Criminalista OABMS 10.689, especialista em Direito Constitucional, é Jornalista DRT 773MS. residente na Aldeia Jaguapiru – Dourados MS. [email protected]

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