Julio Pompeu (*) –
Às vezes, uma ideia não nos sai da cabeça. Insiste, não se sabe porquê. Com Dodô é um pouco diferente. Suas ideias não insistem, apenas ecoam no imenso vazio de sua mente. Tudo o que lhe dizem, ecoa, repetindo-se. Quando abre a boca, repete o dito, ecoando pela boca o que lhe passeia pelo vazio de ideias. Dodô é um típico cabeça oca. Como todo eco repete-se, ao falar, Dodô também repete a mesma ideia alheia uma, duas, tantas vezes quanto achar necessário para se fazer notar.
O eco nunca repete o dito no mesmo tom. Nas montanhas, por exemplo, ganha alguma majestade na forma reverberada e imponente que as ondas dão ao som percebido. Da boca de Dodô, que não tem a majestade das montanhas, mas a pantomima dos picadeiros, a ideia ecoada sai desafinada, mas ganha um ar de convicção que só tem quem não tem real convicção de nada. Fala com ar de certeza de especialista sobre coisas que nem sabe pronunciar direito. E orgulha-se dos seus conhecimentos adquiridos no Instagram.
Mal ouviu dizer que a Terra é plana e pôs-se a ecoar esta e outras terraplanices contíguas. “Mas e os dinossauros?”, perguntou Fred numa tola tentativa de diálogo. “Mais uma prova de que a Terra é plana. Quando o meteoro bateu na Terra, ela virou de cabeça para baixo e os dinossauros caíram. Os humanos não caíram porque se seguraram nas árvores, entendeu?”, disse piscando o olho direito ao final do discurso, concluindo com charme forçado o argumento “inteligente”.
Quando mais novo, não ligava para política. Dizia, ecoando todo mundo, que era coisa chata. Quando cresceu, mudou de ideia porque todo mundo também mudou. O eco, no picadeiro de sua mente, chama de política um amontoado de teorias conspiratórias. Coisa que explica tudo quando não se tem compromisso com nenhum movimento cerebral parecido com um pensamento. Ecoando conspirações, Dodô passou a se achar um gênio. Como se, finalmente, conseguisse apontar todas as causas e todas as soluções de todos os problemas da humanidade.
Como Dodô vive em um lugar cheio de pessoas de cabeças tão vazias quanto a dele, não lhe faltaram ouvidos para ecoar os ecos que lhe escapavam pela boca. No mundo cabeça oca de Dodô, a sabedoria, a razão ou a verdade está com quem é seguido pelo maior número de cabeças ocas. Com muitos seguidores em redes sociais, Dodô ganhou fama de sábio. O sábio que sabe tudo. Que tem resposta para tudo. Ainda que a resposta seja completamente idiota.
Acabar com o crime? Fácil. É só matar essa bandidagem… Gente passando fome? Tudo vagabundo, sem espírito empreendedor… Aborto? É um crime porque tira uma vida. A solução é matar quem aborta para defender a vida… Comunistas querem uma ditadura gay, igual à da Venezuela… Vivemos uma ditadura, só um golpe militar é capaz de nos libertar…
De eco em eco, de like em like, Dodô ficou famoso. De famoso, virou deputado. Eleito pela democracia que diz não existir, em uma eleição com votos que diz serem fraudados porque não são impressos. Dodô, agora, é Doutor Dodô. Sábio, poderoso, enriquecido com o que o poder lhe rende.
Dodô é um exemplo. Um sucesso. Um filósofo. Um sujeito feliz, que ecoa, indiferente às tristezas que lhe invadem. Fenômeno desses tempos mórbidos. Coisa dessa gente que apenas ecoa os gritos de um mundo que se esvai.
(*) Escritor e palestrante, professor de Ética do Departamento de Direito da UFES, ex-secretário de Direitos Humanos no ES.
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