08/01/2015 08h55
‘Todo fanatismo leva à desgraça’
Por: Folha de Dourados
(*) Fernando Hassessian
Todo fanatismo leva à desgraça. Seja pelo seu time de futebol; seja pelo seu deus; seja por suas convicções. O ataque contra a revista francesa Charlie Hebdo nesta quarta-feira é só mais um episódio justificado pelo excesso. Dias antes, casos mais extremos ilustraram essa história trágica: sequestros praticados pelo Boko Haram e decapitações pelo Estado Islâmico.
Se um dia o alimento da guerra era o território e regimes políticos, hoje é diferente. Até mesmo Cuba e Coreia do Norte, antigos demônios, são hoje considerados inofensivos diante dos seguidores do profeta. Recentemente os EUA reconheceram que não faz mais sentido impor isolamento à Cuba enquanto há outras ameaças mais reais. Sim, é um fato histórico, e isso ressalta ainda mais a periculosidade dos novos inimigos; aqueles que matam em nome de deus – seja qual for este deus.
O ataque conta a revista, que deixou uma dúzia de mortos, teria sido motivada por ilustrações com o profeta Maomé. O problema não está com o profeta. Nem em seguir seus ensinamentos. O problema, claramente, é o fanatismo. São as convicções cegas e crenças exageradas. É o fanatismo que leva grupos a reagirem a uma charge de humor com um ataque terrorista. É o fanatismo que leva o Estado Islâmico a decapitar estrangeiros. Foi o fanatismo que, sob o princípio de que mulheres não podem frequentar escolas, levou o Boko Haram a sequestrar e estuprar 234 meninas, segundo autoridades nigerianas.
Enquanto isso, o conflito Israel-Palestina segue. Já é tão banal e repetitivo que até perdeu a “noticiabilidade”, que leva em conta o fator “novidade”.
Por aqui, o fanatismo também faz vítimas. Desde torcedores de times de futebol que morrem a cada jogo, inclusive com arremesso de vaso sanitário na cabeça do torcedor rival, até motivos de orientação sexual, política e religiosa.
Liderados por religiosos fanáticos em busca de seguidores, dízimos e votos, igrejas disseminam o ódio contra homossexuais, atues e seguidores de religiões afro-brasileiras. Para esclarecer, pesquisas explicitam o preconceito religioso como a mais intensa forma de discriminação no Brasil. Lembro-me de uma pesquisa realizada pelo CNT/Sensus, lá em 2008, que aponta que apenas 13% dos brasileiros votariam em um presidente ateu, enquanto 32% votariam em um homossexual, 57% votariam em uma mulher e 84% votariam em um negro. Mais tarde, o Brasil elegeu uma mulher à presidência pela primeira vez. Um preconceito a menos. No entanto, FHC precisou se esquivar de ataques dos adversários que o acusavam de ser ateu.
Todos sabem que a discriminação racial é crime, assim como a discriminação contra mulheres, mas o preconceito contra homossexuais, ateus e adeptos de religiões afro-brasileiras são praticadas de forma escancarada por alguns pastores e defendida por seus adeptos sob o escudo da liberdade de expressão. Com a disseminação do ódio religioso, foi criado em 2007 o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, que acontece no dia 21 de janeiro. Porém, em um país teoricamente laico, mas que carrega cruzes em seus prédios públicos, ninguém nunca ouviu falar neste dia. Obviamente, não é feriado, já que o calendário já está inchado de feriados católicos.
Estamos em pleno retrocesso social. Logo, os atentados terroristas migram das páginas de notícias internacionais para a editoria “Brasil”.
(*) É jornalista