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História de Dourados: ‘Semana Santa na década de 20’

Julio Capilé (*)

A religião era muito incerta nos douradenses pioneiros. Havia uma mistura de crendices, hábitos arraigados, superstições.

Mesmo depois que foi construída a igreja, a maior parte do povo não sabia exatamente o que era ser católico o que aliás acontecia com a maior parte da população do interior de todo o Brasil. Uns trouxeram hábitos do Paraná, outros de São Paulo, do Rio Grande e assim por diante. Não havia gente do nordeste. O único “baiano” que existia e era conhecido só por esse apelido Baiano, depois de um certo tempo até aconteceu uma coisa engraçada: “seu” Emerenciano Paim chegou muito admirado e disse para o João Augusto: “sabe, seu João, descobri que o Baiano é de Guayáz. O único nordestino que havia, não era nordestino e sim do estado de Goiás, mas falava com o érre gutural e gostava de pimenta!

Com as misturas de crendices aconteciam coisas interessantes. Na Semana Santa que para nós era somente a sexta feira, havia o hábito de roubar galinhas para comer, junto com os donos que eram convidados, no Sábado de Aleluia. A rapaziada mais afeita a isso eram, dos Capilé: Serginho, Pilé, Ivo, Fido, Neco e Manoel Camargo – o Mané Pitoco; os Brum, o Juca de Matos, o Nhonhô e o Mimi, o Edson da Casa Saldanha, o professor Mâncio, ajudados por alguns dos meninos já taludos como o Zeca de nhá Erundina, o Juca de Dª Balbina e muitos outros mais miúdos.

Havia uma técnica que o Serginho inventou que era bater com um pauzinho e com cuidado, nos pés da galinha que estava dormindo. Esta passava para o pauzinho e o “ladrão” a pegava pelo pescoço e a matava. Ia botando num saco, levando a coleta para um ponto comum para serem depenadas. As mulheres ficavam esperando para esse mister.

Certa feita o ponto de união foi na casa do Major Capilé. Nhá Veva tinha muitas galinhas mas estava segura pois deixava, nessas ocasiões, as mesmas sob chave, dentro da despensa para passar a noite de “roubo”. Depois da coleta de todos haver chegado ficou aquele monte de galinhas na grande cozinha. Bem cedo as mulheres começaram a depenar as galinhas e Nhá Veva pegava a galinha, levantava-lhe o pescoço, olhava, meneava a cabeça e dizia: “esta é tão parecida com a minha carijó botadeira… e com a outra: “esta parece com a Giandote” e assim por diante. E eram suas galinhas mesmo que seus filhos e netos conseguindo, não se sabe como, a chave da despensa que estava sempre no bolso de sua saia, roubaram as galinhas sem que ela notasse. Foi uma farra geral pela peça que pregaram na “velha” que, previdente, nunca tivera suas galinhas roubadas.

Mas às vezes alguns faziam malvadeza como por exemplo certa vez os Brum com o Mané Pitoco que eram da pá virada pegaram as três araras de Nhá Veva e as soltaram no jardim da casa de Dª Chiquita, o melhor de Dourados e que tinha espécimens raros, rosas de todas as cores, flores exóticas muito bem tratadas. Pela manhã, quem passasse por frente da casa dos ainda dormidos Rosa, via a devastação e sobre a cerca seguras em um pé só, as araras com flores seguras no outro pé, dizendo prazerosamente: “arara!”… Foi uma judiação!… Dona Chiquita levou muito tempo para recompor seu precioso jardim.’

Nas semanas santas haviam as “estórias” de lobisomem contadas por muitos e cada um acrescentava alguma coisa. Talvez houvesse mesmo casos de licantropia, dado o atraso espiritual de muita gente , mas pode ser que fossem apenas lendas para assustar a gurizada que ficava de olho comprido ouvindo os “causos” que depois os atormentavam na hora de conciliar o sono.

(*) Médico e escritor que faleceu em Brasília no dia 20 de julho de 2016. Escrevia na Página de Opinião do jornal O Progresso às quartas-feiras.

Nota da Redação – Esse artigo foi republicado pelo jornalista Vander Verão (ex-editor-chefe de O Progresso) nesta sexta-feira (21), em sua página no Facebook.

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