Julio Pompeu (*) –
Sai ano, entra ano, as coisas não mudam em Samambaiaçu. “Coisa desses políticos, que são todos iguais”, sentenciou Seu Zenóbio, editor do prestigiado e único jornal da região, O Samambaiaçuano.
“Antes fosse!”, discordou Manoel Terêncio, o melhor de seus dois jornalistas. “A cada eleição, a coisa piora! O pessoal capricha na hora de escolher o pior”.
“É, é isso mesmo. Pior que é… sabe, o negócio é que político deveria ser alguém que, realmente, se importasse mais com a cidade e com o povo do que com ele mesmo. Só que gente assim nem se candidata. Quando se candidata, não se esforça como os vaidosos e ambiciosos que vendem até a mãe para se eleger, ou a filha, que nem o falecido Constantino, lembra?”. “Se lembro!…”.
A coisa tomou corpo e foi de conversa à atitude. “E se não tivesse mais candidato? O povo escolhe em quem votar e pronto!”. Parecia fazer sentido para afastar os malandros de sempre. A lei eleitoral era um problema, porque exigia candidatos. Teria que ser uma eleição, de certo modo, clandestina.
Reuniram as lideranças da cidade: padre Ambrósio; o escrivão juramentado Renato Pedreira; o fazendeiro, Coronel Pitanga; o chefe da força policial, Sargento Braga; a autoridade médica, Seu Geraldo farmacêutico e o Doutor Ruy, o causídico da cidade.
Depois de quase oito horas de discussão, que poderiam ter sido duas não fosse pelas constantes e longas objeções do Doutor Ruy, toparam a ideia. Seria uma eleição com todo mundo votando, igual à eleição de verdade, só que sem candidato de verdade. Cada um votaria em quem achasse que poderia ser um bom prefeito. A coisa seria de surpresa, para nem campanha ter. Para celebrar, cada um jurou, pela sua honra, seguir as regras e transformar em prefeito de verdade o escolhido na eleição de mentira.
A data ainda seria marcada, a depender da velocidade dos preparativos a cargo do Sargento Braga, que se empolgou com a missão sigilosa que recebeu.
Seu Zenóbio calculou que isso lhe daria umas duas semanas para soltar no jornal uma ou outra nota, comentário ou notícia que preparasse o clima da cidade para a surpresa.
Pensou também em promover alguém na surdina. Seria uma chance de ter um prefeito mais simpático à imprensa samambaiaçuana, ou seja, a ele mesmo. Fora o fato de que poderia apresentar o experimento como ideia dele, o que lhe promoveria para além das divisas de Samambaiaçu. Falariam disso no estado todo, no país. Talvez, no mundo! Seus olhos brilhavam com a fama imaginada.
Mal saíram da reunião, Coronel Pitanga e Comendador Pedreira iniciaram seus conchavos. Não eram compadres, nem muito amigos, mas eram ricos. O interesse em preservar suas riquezas os aproximava ao ponto de serem mais unidos que compadres e amigos.
Tinham certeza de que o vencedor do pleito deveria ser o Vereador Tião. Sujeito de ignorância e ambição muito acima da média. Mas que tinha, a seus olhos, a virtude de lhes prestar favores nem sempre honestos em troca de singelezas.
A verdade é que há tempos os dois pensavam em fazer de Tião o próximo prefeito. Esta seria a oportunidade que esperavam. Viam nele plena condição para derrotar Jaiminho, o atual prefeito. O poder havia subido à cabeça de tal maneira que seus favores estavam ficando cada vez mais caros para o Coronel Pitanga, o Comendador Pedreira e outros menos afortunados e mais desonestos da região. Fora a petulância que crescia no Edil, ao ponto de querer lhes dirigir a palavra de igual para igual, principalmente em público! Ele precisava levar um tombo político para ficar claro para toda a população samambaiaçuana quem mandava na região.
Continua no sábado que vem.
(*) Escritor e palestrante, professor de Ética do Departamento de Direito da UFES, ex-secretário de Direitos Humanos no ES.
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