Julio Pompeu (*) –
Folgar numa quarta-feira é inédito para Simone. Nem sabe ao certo o que fazer com um dia de semana em que não tem que fazer nada. A casa está limpa, a louça lavada. Decidiu pedir o almoço para coroar sua preguiça. Pensou em sair, mas para onde? Fazer o quê? Na rua, gasta-se. Por falta de respostas e economia, decidiu ficar em casa mesmo, quieta, na sua.
Mas mesmo com portas e janelas fechadas, o mundo invade sua casa em imagens, textos e sons pelos aparelhos que lhe fazem companhia. Simone não resiste à curiosidade de saber como anda o mundo enquanto ela está parada em casa.
Tinha começado com sensacionalices de internet. A entrevista bombástica em que não se fala nada de mais. Alguns sensacionalismos religiosos. Outras tantas manchetes que anunciavam o extraordinário e entregavam o banal. Deu de cara com um noticiário que lhe soou bem mais interessante. Julgamento na tv.
Simone sabe muito bem o que aconteceu no país nos últimos anos. Viveu a pandemia com medo de deixar de viver. Viu gente querida partindo sem ar enquanto ela seguia meio sem esperança. Viu toda a confusão política. As mitagens e lacrações dos discursos e entrevistas que, assim como as bobagens da internet, entregavam – e entregam – menos do que anunciavam.
Tudo isso compõe na mente de Simone um amontoado de imagens que ela chama de democracia. Aquela mesma que está em crise. Aquela que foi severamente ameaçada e que, agora, assiste ao início do julgamento dos ameaçadores. Tudo muito surpreendente. Tudo muito espalhafatoso, espetacular. Tudo muito confuso.
Simone não entende lhufas de Direito. Entende apenas que usam, vez ou outra, uma palavra difícil para dizerem, nas entrelinhas, que sabem o que estão fazendo enquanto você não faz ideia do que fazem.
Na falta de compreensão, a falta de cabelo dos advogados comparada à vasta cabeleira de um dos ministros lhe chamou mais a atenção. Pensou em cabelos e verdades. Coisas que pareciam a verdade nua como uma careca brilhante. O ralear do cabelo como aquelas mentiras salpicadas por uma outra verdade, mal distribuídas e mal ajambradas como os tufos de cabelo que sobram num canto e faltam noutro canto da cabeça. E ainda tem, claro, as perucas. A falsidade capilar absoluta e exuberante.
A crise da democracia é como uma crise capilar, concluiu Simone. Crise de vaidade. Crise de verdades. Crise de funcionalidade em que alguns têm dinheiro e poder para cobrir com perucas ou chapéus. Outros, amargam o ralear dos cabelos. Há, ainda, os carecas, a verdade da cabeça nua e crua. Cabeça corajosa que assume o que é. Na democracia, Simone acha que falta coragem, falta verdade, sobram perucas, palavrório, sensacionalismo. Faltam cabeças, com ou sem cabelos. Faltam compaixão e espírito público. Sobram egoísmo, egocentrismo, soberba, mesmo em quem não tem tanto cabelo, ideias ou caráter.
Simone assistiu até o fim. Emendou com o começo do falatório depois do fim. Discursos de especialistas, políticos, jornalistas, gente na rua. Fios de cabelo balanceados pelos ventos do julgamento e que se emaranham na busca de um penteado. Cada fio tentando puxar o todo da cabeleira para um penteado que lhe agrade.
“A política é isso – concluiu Simone – o penteado”. “A democracia é isso, o pentear. Há quem queira fazer o penteado com escova, outros, só têm pentes ou nem isso, tentam pentear com as mãos. E há os que não querem pentear, mas só colocar uma peruca de penteado pronto e armado, golpistas de cabelos!”.
Simone foi dormir feliz por suas conclusões. Riu de si mesma percebendo o quanto eram confusas e ridículas. O dia de folga foi divertido, mas amanhã é outro dia e Simone terá um monte de cabelos para cortar, pintar e pentear no salão.
(*) Escritor e palestrante, professor de Ética do Departamento de Direito da UFES, ex-secretário de Direitos Humanos no ES.
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