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Desde 1968 - Ano 56

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Julio Pompeu: ‘O antissistema’

Julio Pompeu (*) –

Criança, Paulo era do contra. Se todos queriam jogar futebol, ele insistia em queimada. Se queriam pique-pega, ele batia o pé e exigia polícia e ladrão. E sempre escolhia ser ladrão só porque a maioria queria ser polícia. A maioria cedia, porque para a criançada daquele tempo brincadeira era coisa que se fazia na rua com outras crianças, pouco importava o que, exatamente, fariam.

Adolescente, manteve a fama. Acrescentou malícia e ironia às suas contrariedades. Agora, não lhe bastava mais contrapor-se. Era preciso fazê-lo diminuindo, ridicularizando, ofendendo, humilhando, se possível, qualquer antagonista. Quem apenas assistia aos embates gostava do show performático de Paulo. Era sadicamente divertido vê-lo impor sua vontade, desconsiderando qualquer norma de educação, respeito ou civilidade. Dava a ele um ar de superior aos que, no embate, perdiam por respeitarem as normas morais que João fazia questão de desconhecer.

Não era burro, mas também não era dos mais inteligentes. Era, de fato, muito esperto. Mas não falta por aí gente sem inteligência e tampouco esperteza para confundir, ingenuamente, esperteza com inteligência. Estes admiravam Paulo. Idolatravam Paulo. O viam como um mito. Paulo sustentava sua fama de mito mentindo sobre si mesmo. Exagerava as virtudes que tinha e fingia ter as que nem entendia. Vícios, transformava virtude em verdadeiros malabarismos retóricos. Não que falasse bem, mas mentia com tanta segurança que parecia dizer uma verdade evidente, sagrada, inabalável. O discurso de Paulo era antilógico, inverossímil, antidiscurso.

Viu nisso um jeito de ganhar dinheiro. Aliás, de todas as contrariedades de Paulo, a única coisa em que ele era exatamente igual a todo mundo era sua relação com dinheiro. Gostava de dinheiro. E gostava de gente que tinha dinheiro. Amava dinheiro mais que tudo, exceto a si mesmo. O dinheiro que ganhava mentindo, contrariando, subvertendo era a confirmação de que estava certo em ser do contra. De sujeito do contra, João tornou-se uma espécie de anarquista contra o sistema e sistema, para ele, era tudo o que o impedisse de ganhar mais dinheiro.

O dinheiro lhe permitiu sentir o gosto do poder. Provou, gostou e queria mais. Comprou quem e o que pôde para isso. Tornou-se famoso e fama é uma forma de poder. Mas queria ainda mais. Queria agora dominar o sistema que tanto lhe incomodava. Queria ser o dono do sistema para destruí-lo e colocar no lugar o seu sistema. Candidatou-se.

Sua campanha foi uma anticampanha. Nos debates, não debatia. As propostas, não propunha. Não cumprimentava gente na rua, nem comia pastel em periferia. Usava redes sociais para mostrar seu lado mais verdadeiro, o destrutivo. Antipolítico, levou às ultimas consequências a performance de candidato “contra tudo isto que está aí”.

Como a maioria do eleitorado era descrente do sistema ao ponto de ser contra tudo isto que está aí, elegeu-se. Seu governo foi de jubilosa inépcia. Como as falhas do Estado que levam as pessoas a serem contra o sistema continuavam existindo – até se agravaram – culpou a outros. Atribuía a inimigos reais e imaginários toda a responsabilidade pela sua falta de responsabilidade. Em tudo que um governo deveria ser bom, foi ruim. Porém, para uns poucos ricos, foi muito bom.

E, contra toda lógica e bom senso, quanto pior a vida da população, mais fama, prestígio e voto Paulo ganhava. Entendeu que bastava ser antissistema que o sistema ruim o tornava a escolha óbvia de um eleitor desesperançoso no sistema que tantas vezes o frustrou. Não precisava substituir o sistema, bastava manipulá-lo e destruí-lo. Com sua ambição, performance antitudo e total falta de caráter foi longe. Governou, enriqueceu, destruiu, matou e deixou morrer.

João morreu no auge de sua carreira política. Fizeram funeral de gente importante. A imprensa elogiou seus “feitos”. Teve salva de tiros e honras militares. Fizeram estátuas e deram seu nome a ruas e escolas. Deixou gente faminta chorosa de seu ídolo que não teria vencido o sistema. Deixou chorosa também gente bem alimentada e rica. Tristes por perderem o mais inescrupuloso fantoche de seu sistema.

(*) Escritor e palestrante, professor de Ética do Departamento de Direito da UFES, ex-secretário de Direitos Humanos no ES.

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