Sol queima, rios secam e a colheita some: jovens indígenas contam como as mudanças climáticas reescrevem o seu cotidiano
Por Guilherme Cavalcanti | Edição: Thiago Domenici –
Jovens indígenas presentes na maior mobilização indígena do país, o Acampamento Terra Livre (ATL), realizado em Brasília nesta semana, falaram com a Agência Pública sobrecomo a percepção das mudanças climáticas está além das informações transmitidas pela imprensa.
Para os entrevistados, os efeitos da crise estão presentes nas rotinas de pesca, na agricultura de subsistência e no próprio corpo, alterando hábitos e modos de vida em diversas regiões do país.
“A gente já não pesca como a gente pescava, oito, seis anos atrás. Na ilha do Bananal, teve muita queimada esse ano passado. Então, vai sendo um acúmulo de várias coisas que já vai influenciando. No caso do meu povo Karajá, nunca se pensava ‘Ah, vai faltar peixe. A gente tem que ir a um lago específico agora para pescar’, sabe?”, conta Maluá Silva Kuady Karajá, de 25 anos. Ela destaca que o avanço do aquecimento global não se expressa apenas em dados científicos e que as mudanças visíveis no bioma e na fauna impactam diretamente a vida das comunidades.
“Vai mudando o cotidiano completamente. Mudou o bioma, a fauna, as nossas vivências, a nossa vida. E trazendo outras dificuldades que transpassam a questão climática”, afirmou a jovem indígena. A edição deste ano do ATL tem como um dos focos principais a articulação para garantir protagonismo indígena na COP30, conferência climática da ONU que acontecerá em Belém (PA), em novembro. A campanha “A Resposta Somos Nós”, organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), propõe que a demarcação de Terras Indígenas seja incluída como estratégia nas metas ambientais dos países amazônicos.
“Discutir ambiente sem que o indígena seja uma parte ali do protagonismo, eu acho que já começa a ser problemático, no mínimo, porque, principalmente aqui no nosso país, onde as principais reservas estão dentro dos nossos territórios”, explica Maluá, que ressalta a luta por terras não é pela exploração para um fim econômico, mas para discutir a questão do meio ambiente. “[A discussão] perpassa muitas coisas que estão na essência da nossa vivência”.
De acordo com o MapBiomas, as Terras Indígenas no Brasil representam 13% do território nacional, mas respondem por apenas 1% da perda de vegetação nativa entre 1985 e 2023.
Maluá Silva Kuady Karajá, de 25 anos, é estudante de psicologia na Universidade Federal do Goiás (UFG). Guilherme Cavalcanti/Agência Pública
Yan Mongoyó, 21 anos, veio à Brasília do sudeste da Bahia. Guilherme Cavalcanti/Agência Pública
Vereadora em Montes Altos e única indígena no legislativo do Maranhão, Letícia Awju Torino Krikati, de 20 anos, tenta mudar a ausência de debate sobre o Cerrado em seu município. Yaako Krikati / Cortesia
Maria Lilane, 24 anos, do povo Baniwa, de São Gabriel da Cachoeira (AM). Guilherme Cavalcanti/Agência Pública
Evelin Cristina Araújo Tupinambá, 27 anos, é professora de geografia em Goiânia. Guilherme Cavalcanti/Agência Pública
Yohane Parakanã, 23 anos, veio à Brasília do estado do Pará – Guilherme Cavalcanti/Agência Pública
“Tá tudo descontrolado”
Yan Mongoyó, 21 anos, vive em um território de transição entre a Mata Atlântica e a Caatinga, no sudeste da Bahia, e explica que a seca prolongada têm impedido de diferentes maneiras a agricultura familiar. A aldeia não tem acesso a água encanada e depende de caminhões-pipa.
“Está muito seco, não conseguimos plantar. Deu uma chuvinha e a gente plantou, mas não sobreviveu. Então a gente está muito preocupado porque a nossa comunidade não é abastecida por água encanada, é abastecida por carro-pipa, um carro-pipa para três famílias. Então não tem como fazer plantação”, relata. “O pessoal que está lá na base é o que mais sofre, principalmente os produtores que estão lá na agricultura familiar”.
Yan também critica o avanço do agronegócio sobre os territórios indígenas, especialmente nas regiões historicamente esquecidas pela mídia e pelo poder público.
“Não importa qual região é, [os ruralistas] eles estão invadindo, estão destruindo o que eles podem destruir, e a gente que está sofrendo. É uma pauta que abarca todos os povos”, diz. “Eu já estive analisando alguns jornais, e acho que, primeiro, eles estereotipam a gente demais, trazem questões que não têm muito a ver, e não trazem, de fato, o assunto à tona. Normalmente, eles falam muito da Amazônia e tudo, e esquecem dos outros biomas que também são muito importantes. A Caatinga mesmo e o Cerrado estão sofrendo bastante com essas questões climáticas, questão agrária”, afirma Yan.
A ausência de debate sobre o Cerrado é um dos objetivos que Letícia Awju Torino Krikati, 20 anos, tenta mudar no seu município. Única indígena no legislativo do estado do Maranhão, a vereadora de Montes Altos deseja mostrar a importância do Cerrado para o país “pois é onde há as nascentes dos maiores rios, sendo uma base hidrográfica extremamente importante para nós”.
Apesar disso, Letícia conta que enfrenta dificuldades para levar a pauta ambiental para dentro da política municipal, já que em Montes Altos ainda não há oficialmente uma secretaria de Meio Ambiente. “A ausência dessa secretaria afeta nas discussões também das mudanças climáticas dentro dos territórios indígenas. A gente tem a Secretaria de Assuntos Indígenas, mas ela também tem que trabalhar em parceria com outras secretarias”, afirma a vereadora, que ressalta a importância da cooperação entre secretarias para ações conjuntas para preservação das comunidades.