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Desde 1968 - Ano 56

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‘O não’: Julio Pompeu

Julio Pompeu (*) –

A carreira militar lhe caiu bem. Não que fosse especialmente audacioso, aventureiro ou belicoso. Antes, era brincalhão, imaturo até! Nos momentos perigosos, era o primeiro a escapar. E só se metia em perigos por causa da esperteza que lhe era tão útil na fuga.

Nunca teve pudores em trapacear para conseguir algo. E no prejuízo do prejudicado não se via participante. Na sua visão de mundo, a humanidade se dividia em espertos e otários e os prejuízos das espertezas eram sempre por culpa dos otários.

No espelho, vendo-se esperto, nunca se viu como responsável por nada que tivesse feito. Exceto quando se tratava de algo bom, situação em que não apenas assumia, orgulhoso, os aplausos, como ainda surrupiava os méritos dos verdadeiros responsáveis.

No começo, teve receio de que aquela coisa militar de hierarquia e disciplina pudesse lhe trazer algum problema. Mas logo percebeu que a esperteza lhe dava o caminho para camuflar sua indisciplina leniente. Já a hierarquia, mostrou-se uma vantagem na medida em que subia na carreira. A cada estrela acrescentada à farda, aumentava a blindagem moral que resguardava suas imoralidades.

Também entendeu rápido a transformar qualquer apontamento de suas flagrantes leviandades em uma questão institucional. Não eram falhas suas, mas um ataque à honra do Exército. A tese sempre foi comprada por seus companheiros que também sustentavam suas imagens morais mais na imagem da instituição do que nas próprias condutas. É como se a moralidade fosse coisa da farda e não do indivíduo que a veste.

Foi assim que se livrou do assédio a soldados, do estupro da enfermeira do batalhão, do desvio da grana, das improbidades… Nenhuma acusação jamais passou de tentativas de desmoralizar o Exército que sempre mostrou na sua defesa, a coesão, o companheirismo e a bravura frequentemente anunciadas em suas canções, raramente demonstradas em campo de batalha e inéditas em sua história política.

Nenhuma acusação lhe prejudicou a carreira. Ao contrário, até ajudaram a chegar ao generalato. É verdade que havia quem lhe reprovasse as atitudes. Gente que ainda se importava com honra e glória, valores quase esquecidos nos quartéis e preservados só por uns poucos que eram tratados como espectros de um passado tão garboso quanto antiquado. Mas eram poucos.

Por todas estas qualidades, houve uma enorme surpresa quando ele disse não ao plano de dar um golpe de Estado. E foi um não saído de sua boca com rara firmeza e convicção. Um não que alvoroçou a sisudez tensa daquele ambiente.

Havia dois generais convictos da insanidade moral daquele plano. Também havia outros três que estavam cheios de convicção de que aquela era a hora e estavam dispostos a sacrificar até mesmo a vida – dos outros – por isso. Mas ele não era nem de um grupo, nem do outro. Era da massa que flutuava ao sabor das marés políticas e dos ventos das vantagens pessoais.

E foi de sua alma moralmente flutuante que saiu seu não. Se o plano não desse certo, poderia ir para a cadeia ou, no mínimo, perder privilégios. Mais arriscada era a possibilidade de dar certo. Neste caso, via enorme risco de assumir alguma importante função política. Afinal, havia muito mais cargos importantes na República do que generais naquela sala. Se acontecesse, sairia das sombras da farda. Sentiu-se moralmente despido. Viu-se exposto ao público em sua baixeza moral. Poderia recusar um cargo, mas a inveja que sentia só de imaginar que poderia ficar de fora da festa era o bastante para preferir estragar a festa.

Foi o não derradeiro. O não acidentalmente histórico. Um não, por fora, nobre e garboso como sua farda, por dentro, pusilânime como seu espírito castrense.

(*) Escritor e palestrante, professor de Ética do Departamento de Direito da UFES, ex-secretário de Direitos Humanos no ES.

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