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O que as eleições municipais brasileiras nos dizem? Entrevista com Esther Solano

Por Pablo Stefanoni / Edição: Instituto Humanitas Usinos

No último domingo, o Brasil realizou eleições municipais e a cidade de São Paulo foi o centro das principais batalhas. As eleições mostraram a sobrevivência do centrão, a expansão do campo conservador e a incapacidade de Luiz Inácio Lula da Silva em dar novo impulso ao Partido dos Trabalhadores.

A entrevista é de Pablo Stefanoni, jornalista argentino, autor do livro A rebeldia tornou-se de direita (Editora da Unicamp, 2022), publicada por Nueva Sociedad, outubro de 2024.

As eleições municipais no Brasil revelaram uma capacidade limitada de atrair o Partido dos Trabalhadores e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com resultados fracos nas grandes cidades e em algumas áreas emblemáticas da esquerda. O ex-presidente Jair Bolsonaro conseguiu fazer pender a balança em diversas cidades a favor dos candidatos conservadores, mas mesmo assim os partidos tradicionais mostraram resistência nos territórios, pela força de seus aparatos e de seus pactos ultrapragmáticos.

Nesta entrevista, a cientista política Esther Solano (*) dá algumas chaves de leitura dos resultados. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora da Universidade Federal de São Paulo, centra-se na emergência do pós-bolsonarismo, como uma identidade conservadora mais ampla que depende apenas parcialmente do ex-presidente.

Comecemos por São Paulo, a joia da coroa das eleições municipais brasileiras, o que nos diz o vínculo entre o atual prefeito, Ricardo Nunes, apoiado sem entusiasmo por Bolsonaro, e o candidato de esquerda Guilherme Boulos, apoiado por Lula? Irão para o segundo turno e deixarão o forasteiro Pablo Marçal na terceira colocação?

São Paulo representa fundamentalmente o que chamamos de novo momento do pós-bolsonarismo ou das novas reconfigurações da extrema-direita no Brasil. Em escala nacional, mas especialmente em São Paulo, cristalizou-se uma divisão da extrema-direita em dois grupos: um mais sistêmico, representado por Ricardo Nunes (do Movimento Democrático Brasileiro mas apoiado por Bolsonaro), e sobretudo pelo grande figura encarnada pelo Governador Tarcísio de Freitas, que está mais próximo da direita tradicional, e parece ser mais pró-establishment e menos perturbador, e outro grupo mais perturbador, como Pablo Marçal – um guru pessoal de autoajuda. Uma figura mais próxima do influenciador, com uma campanha muito autônoma do bolsonarismo e de seu líder, mas que mantém uma série de temas desse movimento, como a denúncia do Estado corrupto, a defesa da “liberdade”, o empreendedorismo e a meritocracia. Isto encarna um bolsonarismo mais novo e mais sedutor, uma espécie de pós-bolsonarismo.

Do lado esquerdo, Guilherme Boulos, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que conta com o apoio de Lula, teve um bom desempenho, mas agora é difícil para ele romper com o já fiel voto esquerdista. De uma forma geral, a sua candidatura enfrenta uma dificuldade mais ampla da esquerda em lidar com novas subjetividades – muitos jovens votaram em Marçal – mas também com questões concretas da vida cotidiana, do governo municipal.

No geral, o PT teve um resultado ruim, principalmente nas grandes capitais, mas melhorou em relação a 2020. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que é um partido em reconstrução. No Rio de Janeiro, venceu o candidato apoiado por Lula, o atual prefeito Eduardo Paes, mas é um centrista pragmático, que passou por inúmeras disputas… como você vê isso?

É verdade que o resultado do PT não tem sido bom, principalmente considerando que Lula está no poder. E mais ainda: que Lula está no poder com um governo que funciona muito bem. Então isso torna o resultado mais dramático, porque o PT deveria ter conseguido se beneficiar disso.

Um elemento é que a figura de Lula não tem a mesma força de mobilização de antes. Hoje representa mais a gramática do passado do que a do futuro. Paradoxalmente, embora os conservadores olhem para o passado, estão conseguindo projetar a ideia de um “outro Brasil”, com certa perspectiva refundacional. Depois, há questões mais terrenas, como a segurança pública.

Mas entre os vencedores estão os partidos tradicionais: o famoso centrão, ultrapragmático e corrupto mas com muita capilaridade territorial. E, por outro lado, o bolsonarismo, que carrega fundamentalmente a força ideológica, a “luta por valores”, etc. O Partido Liberal (aliado de Bolsonaro) cresceu substancialmente.

A esquerda não mostrou nem a capilaridade territorial do centrão nem a força ideológica do bolsonarismo. Isto explica parcialmente o resultado.

O Partido Liberal de Bolsonaro se saiu melhor, mas não tão bem… os partidos tradicionais, como o Partido Social Democrata (PSD) e o MDB, resistiram melhor?

O PL se saiu bem, mas, na verdade, não tão bem quanto eu esperava. Não ganhou os mil municípios que pensava. O resultado mostra que em nível local há, na política cotidiana, um certo esgotamento da polarização, por vezes algo abstrata ou vazia, que se verifica em nível nacional, daí os bons resultados dos partidos tradicionais. O segundo turno em São Paulo sem dúvida será nacionalizado e Lula e Bolsonaro aparecerão mais. Teremos de ver o poder desta nacionalização polarizadora.

Qual foram os papéis de Lula e Bolsonaro na campanha? Os resultados nos dizem algo sobre a liderança nacional?

Bolsonaro esteve presente em alguns locais e fortaleceu candidaturas no Norte e Nordeste, mas fracassou no Rio de Janeiro, onde seu candidato, Alexandre Ramagem, não conseguiu chegar ao segundo turno. Por sua vez, Lula tem estado geralmente pouco presente.

Quanto à liderança nacional, a eleição diz-nos que Bolsonaro – desqualificado pela justiça – não está tão politicamente morto como alguns anteciparam. Ele mostrou capacidade de levar candidatos que seriam insignificantes sem o seu apoio para um segundo turno. Como representante do Brasil conservador, Bolsonaro está bastante vivo.

Lula demonstrou influência muito limitada. O PT perdeu em lugares muito simbólicos como a Grande São Paulo (o cinturão metalúrgico que já vinha perdendo), cidades como Araraquara, governada por um quadro histórico do PT, onde venceu o candidato bolsonarista (ali o ex-presidente e sua esposa jogaram fortemente) e o Nordeste está em disputa. O fato de em várias cidades nordestinas o PL ter passado para o segundo turno mostra o desafio à identidade lulista nesses bastiões do PT.

Esther Solano (*) Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora da Universidade Federal de São Paulo, centra-se na emergência do pós-bolsonarismo, como uma identidade conservadora mais ampla que depende apenas parcialmente do ex-presidente.

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