“No Brasil, as estimativas de risco são quase sempre baseadas na doença e não no seu vetor de transmissão. Isso permite uma antecipação dos surtos, trabalhamos preventivamente”
A missão de prevenir a expansão do Aedes aegypti , transmissor da dengue, chikungunya e zika vírus, tem sido um desafio constante para pesquisadores em todo o mundo. Neste ano, o Observatório de Clima e Saúde iniciou a experimentação de uma solução francesa: o Arbocarto, uma ferramenta inovadora que mapeia a densidade populacional do mosquito.
“No Brasil, as estimativas de risco são quase sempre baseadas na doença e não no seu vetor de transmissão. Isso permite uma antecipação dos surtos, trabalhamos preventivamente”, explica Christovam Barcellos, um dos coordenadores do Observatório.
Desenvolvida por pesquisadores do Instituto Francês de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD), a ferramenta realiza mapeamento em tempo real e possibilita a simulação de ações de controle e seus impactos. Dessa forma, orienta medidas de vigilância, mobilização social e controle de vetores de maneira mais eficaz.
A tecnologia está sendo estendida ao Brasil a partir de novembro, e veio acompanhada de um curso ministrado por Marie Demarchi, engenheira de geoprocessamento e uma das desenvolvedoras do sistema. Trabalhadores e pesquisadores da área da saúde estiveram reunidos, entre os dias 12 e 14 de novembro no Campus Maré da Fiocruz, para conhecer as potencialidades da ferramenta, aprender a utilizá-la, ver exemplos de aplicação e adaptação aos seus contextos locais.
Pedro Galdino de Souza trabalha no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami, região de tríplice fronteira – Brasil, Venezuela e Guiana – marcada pelo histórico de arboviroses. “Meu trabalho abrange cinco municípios em Roraima e três no Amazonas. O Arbocarto será importante para auxiliar na leitura da distribuição geoespacial e epidemiológica das arboviroses, com foco na dengue”, afirma.
O curso foi promovido pelo Laboratório Misto Internacional (LMI) Sentinela, uma parceria entre a Fiocruz, por meio do Observatório de Clima e Saúde, IRD e Universidade de Brasília (UnB), e contou com a participação de pesquisadores dessas instituições e organizações parceiras ao LMI. A formação teve a colaboração do INOVEC, projeto do IRD que promove abordagens e tecnologias inovadoras de combate a vetores de arbovírus na Europa, África e Américas.
Contribuições ao cenário brasileiro
Até novembro, o Brasil registrou mais de 6,5 milhões de casos prováveis de dengue, um aumento de 400% em relação a 2023. Pelo menos 5.800 mortes causadas pela doença foram confirmadas, e outros 1.100 casos estão em investigação. Os dados são do Painel de Monitoramento das Arboviroses do Ministério da Saúde.
O Observatório de Clima e Saúde tem monitorado de perto a expansão da área de transmissão da dengue no país. Em março, Christovam e outros pesquisadores publicaram um estudo destacando o impacto das mudanças climáticas na disseminação da doença para regiões onde antes não era comum. “O Observatório consegue localizar onde estão acontecendo esses casos, quais são as áreas de risco. Mas a vantagem do Arbocarto é tentar focar no nível local, com uma escala de maior detalhe”, explica.
Dessa forma, é possível observar as zonas mais afetadas pela infestação do mosquito, e atuar preventivamente para evitar os casos de dengue. Apesar da expansão da doença ter um certo padrão, por exemplo, a periferia das grandes cidades, um instrumento como esse permite ter mais exatidão para combater os focos do mosquito. “Essa é a primeira vantagem: trabalhar com mosquitos, e não com casos, e no nível local”, indica Christovam.
Para Emmanuel Roux, coordenador do LMI Sentinela como representante do IRD, a relevância dos estudos brasileiros na área entomológica, e a produção de dados públicos, faz com que a ferramenta seja uma grande aliada no combate ao vetor. “Durante o curso, tivemos um período de aula específico para pensar possibilidades de utilização no futuro”, descreve.
Potencial de impacto no SUS
A expectativa é que a chegada da ferramenta no Brasil impacte positivamente o SUS, ajudando a otimizar os recursos e direcionar as ações de controle de forma estratégica. Em teste em algumas cidades, como no Rio de Janeiro, e em regiões transfronteiriças onde o LMI Sentinela atua, como na Guiana Francesa, o Arbocarto deve ganhar mais espaço em breve, quando os participantes iniciarem a utilização em suas regiões.
Pedro Galdino, por exemplo, planeja integrar o Arbocarto às suas atividades DSEI Yanomami e apresentá-lo às secretarias de saúde responsáveis pela área indígena, com o objetivo de integrá-la às estratégias de controle vetorial da região. “A ferramenta vai colaborar no planejamento das ações, permitindo direcionar esforços para locais estratégicos”, relata.