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Joca: ‘Espero estar enganado, mas não me surpreenderia se o povo ficar decepcionado com mais um prefeito’

Juliel Batista –

O professor João Carlos de Souza, o Joca, presidente municipal do Partido dos Trabalhadores (PT), em Dourados, foi entrevistado com exclusividade pela Folha de Dourados, onde pode avaliar o cenário político em âmbitos local e nacional. À frente do partido desde 2019, Joca encerra o seu segundo mandato no próximo ano, e considera que a sua gestão ajudou na formação de novas lideranças dentro do PT.

Militante de décadas do PT, Joca, professor aposentado da UFGD, além de presidente do partido, foi candidato à Prefeitura de Dourados, em 2020, em meio de forte onda de “antipetismo”. Na ocasião, obteve 9.662 votos ou 9,34% do eleitorado douradense.

Para Joca, a reestruturação no PT de Dourados permitiu o crescimento da bancada na Câmara de Vereadores, com a reeleição de Elias Ishy e a eleição de Franklin Schmalz. “O PT apresentou uma chapa proporcional bem diversificada e representativa, de vários segmentos de nossa sociedade e teve um desempenho melhor do que nas últimas eleições.”

Ao ser questionado sobre o apoio dois vereadores eleitos para a presidência da Câmara, Joca pontuou para a necessidade de um consenso entre os dois, mesmo com a disputa seja entre figuras ligadas a direita, no espectro político.

“O principal objetivo é dialogar com os representantes das chapas, garantir condições para desenvolver o trabalho, o que o farão com autonomia” 

Confira a entrevista na íntegra:

Folha de Dourados – As eleições municipais acabaram e as análises sobre as campanhas estão sendo ainda debatidas nos partidos políticos. Enquanto dirigente petista, como avalia o desempenho do PT em Dourados, na disputa para a prefeitura?

João Carlos – Apresentamos as candidaturas dos companheiros Tiago Botelho (para prefeito) e Laerte Tetila (para vice-prefeito) pela Federação Brasil da Esperança (PcdoB, PV e PT). A presença do ex-prefeito Tetila foi um grande ganho para campanha, pois apesar de ter disputado as eleições de 2022 para o Senado, ainda assim Tiago não era um nome muito conhecido. Muitos militantes e parte da população ao saber da participação passaram a apoiar a candidatura. Avaliamos que a demora na definição do candidato (tivemos prévias em março de 2024) e a demora do partido em definir os recursos do fundo partidário, atrapalharam o planejamento da campanha. Ficamos em terceiro, mas fatores como o voto útil, pesou a reta final da campanha, assim como consideramos que Tiago e Tetila enfrentaram a máquina do governador e a do prefeito, situações que costumam desequilibrar o embate.

“a demora para definir o candidato, tivemos prévias em março de 2024, e a demora na definição os recursos do fundo partidário atrapalharam o planejamento da campanha”

Folha de Dourados – Na disputa para o legislativo municipal, os candidatos petistas (18) tiveram 8635 votos, dentro da chapa da Federação (22). O desempenho melhorou em relação a eleição passada, inclusive dobrando a bancada para a próxima legislatura, de 1 para 2 vereadores. Contudo, ainda é aquém do que muitos tinham como prognóstico, em que o PT faria, no mínimo, 3 vereadores. O que faltou para o PT?

João Carlos – O PT apresentou uma chapa proporcional bem diversificada e representativa, de vários segmentos de nossa sociedade e teve um desempenho melhor do que nas últimas eleições. A chapa contou, também, com apoio e orientações, na área de comunicação, desde a pré-campanha. Contudo, alguns fatores tiveram implicações negativas nesse processo: candidaturas definidas pouco tempo antes das eleições; companheiras e companheiros que não contaram com a oportunidade de realizar uma pré-campanha mais ativa, por estarem empregados e trabalhando; atraso na definição dos recursos do fundo partidário prejudicaram a elaboração de um planejamento mais adequado. Reconhecemos, ainda, que as candidaturas com uma base de apoio, construída ao longo de um trabalho de presença permanente, consolida uma liderança. Há necessidade de maior investimento do PT em seus setoriais e secretarias, e nos diálogos com os movimentos sociais, espaços onde lideranças se forjam.

” (…) candidaturas definidas pouco tempo antes das eleições; companheiras e companheiros que não contaram com a oportunidade de realizar uma pré-campanha mais ativa, por estarem empregados e trabalhando”

Folha de Dourados – Qual a expectativa do senhor em relação a futura administração do tucano Marçal Filho?

João Carlos – Em primeiro lugar, desejo que o prefeito eleito realize um governo que respeite a população e dê respostas às principais demandas dos cidadãos douradenses. O considero, contudo, uma grande incógnita. O programa de governo, que apresentou na campanha, é genérico! Por outro lado, não demonstrou disposição de debater suas propostas, é avesso ao diálogo. Os problemas enfrentados por Dourados são muitos, começando pela própria gestão, com recursos no limite. Esses indicadores, o fato de viver somente na órbita de sua rádio, na qual inclusive não abre espaço para debates plurais, espero estar enganado, mas não me surpreenderia se o povo ficar decepcionado com mais um prefeito.

“(…) espero estar enganado, mas não me surpreenderia se o povo ficar decepcionado com mais um prefeito”

Folha de Dourados – A direção do PT está participando das articulações da eleição da próxima Mesa Diretora da Câmara Municipal? O PT teria dificuldades em apoiar uma chapa à direita em troca de espaços para a militância na Câmara?

João Carlos – Conversamos com nossa bancada, os vereadores Elias e Franklin. A orientação é para chegarem a uma posição consensual. O principal objetivo é dialogar com os representantes das chapas, garantir condições para desenvolver o trabalho, o que o farão com autonomia. É fundamental que nossos vereadores sejam os principais interlocutores com seus pares, pois há uma dinâmica própria na casa. As duas chapas que se apresentam estão no espectro da direita, assim como a maioria da casa. A conversa e o diálogo têm ocorrido na direção de garantir espaços em Comissões e condições de realização do trabalho de vereança.

“A conversa e dialogo tem ocorrido na direção de garantir espaços em Comissões e condições de realização do trabalho de vereança”

Folha de Dourados – No próximo ano ocorrem as eleições para os diretórios municipais, estaduais e federal do PT. O senhor almeja mais um mandato na presidência?

João Carlos – Assumi a presidência em fins de 2019, a partir de um consenso entre as Forças do PT, com mandato para quatro anos, que foi prorrogado por mais um ano e meio, expirando em junho/2025. Nesse período, despontaram novas lideranças, que possuem condições de presidir o Partido, fortalecer sua democracia interna, renovar. Tenho orgulho de presidir o PT, de contribuir e, nesse momento, uma das formas é apoiar a renovação dos seus quadros e da direção – não disputarei a presidência.

Folha de Dourados – As candidatas a vereadoras tiveram desempenho satisfatório em outubro, tanto é que o setorial das mulheres articula uma cabeça de chapa? O que pensa sobre isso.

João Carlos – As oito mulheres candidatas tiveram, em conjunto, quase 3 mil votos, foram muito aguerridas e sem elas não teríamos obtido duas cadeiras na Câmara. Isso foi fruto da reorganização da Secretaria das Mulheres. Quase todas se candidataram pela primeira vez. Algumas lideranças que já vinham despontando, ganharam maior visibilidade e se consolidaram, como a professora Cris Terena, a professora Suely Rocha, a Karina, entre outras. No PT, a composição do Diretório e da Executiva é realizada de forma paritária. Considero muito salutar e importante para o partido essa iniciativa, de ter uma mulher candidata à Presidência, contar com meu apoio.

“As oito mulheres candidatas tiveram, em conjunto, quase 3 mil votos, foram muito aguerridas e sem elas não teríamos obtido duas cadeiras na Câmara”

Folha de Dourados – Um balanço do desempenho do diretório ao longo dos últimos anos.

João Carlos – Considero que o período, de 2019 a 2024, foi de muitas dificuldades, pois persistiu um clima de antipetismo. Foi nesse contexto, que o PT fortaleceu alguns setoriais, como o dos indígenas, o de combate ao racismo e reorganizou a Secretaria de Mulheres. Contamos com avanços nos processos eleitorais: ao eleger a professora Gleice Jane, primeira mulher deputada estadual pelo PT, ao propor candidatura própria para prefeito em 2020 e 2024, ao apresentar Tiago Botelho para o Senado, e o Elias Ishy se tornar primeiro suplente de deputado federal. Destaco que nessas últimas eleições despontaram novas lideranças. Temos muito que avançar, na formação da militância, fortalecimento da democracia interna, renovação dos seus quadros, no diálogo com a juventude, e sobretudo ampliar nossa  presença junto aos territórios e comunidades de nossa cidade. Essas ações serão fundamentais para o PT manter Lula na Presidência e seguir com os projetos fundamentais para o Brasil, de crescimento, combate à fome, geração de emprego, maior igualdade e justiça.

“Contamos com avanços nos processos eleitorais: ao eleger a Profa. Gleice Jane, primeira mulher deputada estadual pelo PT, ao propor candidatura própria para prefeito em 2020 e 2024, ao apresentar Tiago Botelho para o senado, e o Elias Ishy se tornar primeiro suplente de deputado federal”

Folha de Dourados – Qual é a sua avaliação da disputa no próximo ano para o diretório do PT. As forças e os nomes chegarão a um consenso, ou o senhor acredita que haverá uma disputa?

João Carlos – Ainda é cedo para cravar o que vai ocorrer. Vejo uma certa movimentação em algumas forças para se fortalecerem e crescerem, o que já teve início no processo eleitoral. Nesse momento, penso que debater o que cada força pensa sobre como o partido deve se organizar para enfrentar os desafios futuros, é o mais importante. Nesse processo, pode surgir conversas e um nome de consenso. Nessa perspectiva, pode ser uma mulher, como já mencionado.

“Nesse momento, penso que debater o que cada força pensa sobre como o partido deve se organizar para enfrentar os desafios futuros, é o mais importante”

Folha de Dourados – A propósito, qual é a correlação de forças dentro do PT de Dourados? Existe hegemonia de alguma tendência interna? Quais são as tendências militantes aqui?

João Carlos – O PT de Dourados tem militantes de algumas das principais correntes nacionais, como a Articulação de Esquerda (AE), Construindo um Novo Brasil (CNB), Democracia Socialista (DS).  Possui, também grupos organizados de atuação no âmbito local, como o Núcleo Universitário e um grupo de Independentes. Dentre as tendências e grupos de Dourados, a AE é a mais organizada no momento e possui dois parlamentares (um vereador e uma deputada estadual). Se haverá composição (chapa única) ou disputa, não é possível ainda adiantar. O debate apenas está se iniciando, o PT nacional informou que as eleições internas ocorrerão no início de julho/25 e os encontros em agosto de 2025. Penso que a movimentação específica acontecerá somente a partir de fevereiro/25.

“Se haverá composição (chapa única) ou disputa, não é possível ainda adiantar. O debate apenas está se iniciando (…).”

Folha de Dourados – Em relação ao mandato do presidente Lula e dos parlamentares petistas por Mato Grosso do Sul no Congresso Nacional (os deputados Vander Loubet e Camila Jara), qual é a sua análise?

João Carlos – O terceiro mandato do presidente Lula foi obtido com ampla articulação política, uma frente com partidos de diferentes espectros políticos, para combater a extrema direita, fascista e antidemocrática. Os derrotados nas urnas, se mobilizaram em frente aos quartéis, apoiados por setores das Forças Armadas e tramaram um golpe, cuja expressão mais visível foi o 8 de janeiro/23. Lula e seu governo demonstraram a serenidade necessária para enfrentar esses primeiros dias de governo. É muito importante para o país, vencer o ódio, mas isso não ocorrerá rapidamente, pois sabemos que a extrema direita e bolsonaristas estão em plena atividade.

“É muito importante para o país, vencer o ódio, mas isso não ocorrerá rapidamente, pois sabemos que a extrema direita e bolsonaristas estão em plena atividade.”

Quanto ao governo, é preciso considerar que  não tem a maioria no Congresso, aliás extremamente conservador, que recebeu um orçamento  limitado e uma administração pública com desmonte em várias áreas de atuação federal. Contudo, completando dois anos, já se  constata que ocorreram vários avanços no governo Lula: queda nos índices de desemprego, recuperação de renda de famílias em extrema pobreza, combate à fome, retomada de programas como o de habitação (Minha casa minha Vida), retomadas de obras paradas, crescimento econômico, estabilidade da inflação, programas na área de educação, como o “Pé de meia” etc. As vezes, a urgência e as necessidades aceleram nossos desejos como também as frustrações, mas penso que o governo tem apresentado bons resultados. Não pode sucumbir aos lobbys do mercado, da mídia corporativa e de outros poderosos. O importante, é ser um governo que tenha empatia pelo povo, que  continue buscando caminhos para responder às necessidades da nossa população.

“Quanto ao governo, é preciso considerar que  não tem a maioria no Congresso, aliás extremamente conservador, que recebeu um orçamento  limitado e uma administração pública com desmonte em várias áreas de atuação federal”

Folha de Dourados – No que diz respeito às eleições de 2026: como o senhor acredita que o PT vai chegar?

João Carlos – O PT vai investir em sua organização interna, na formação de sua militância, para compreender os novos desafios do mundo do trabalho, as aspirações dos trabalhadores e trabalhadoras e da sociedade. O fenômeno das novas mídias e redes sociais sem dúvida precisam ser levados em consideração. O PT sabe da importância de apoiar e formar novas lideranças. Precisamos fortalecer a presença do partido no Congresso e Assembleias Legislativas. Oferecer uma base de apoio mais ampla para que Lula possa tentar um quarto mandato em 2026.

“O fenômeno das novas mídias e redes sociais sem dúvida precisam ser levados em consideração. O PT sabe da importância de apoiar e formar novas lideranças.”

Folha de Dourados – Suas considerações finais.

João Carlos – O mundo hoje está sendo marcado por distopias, disrupturas, gerando esgarçamentos nas relações sociais, que precisam ser melhor compreendidas. Penso que o Partido dos trabalhadores e das trabalhadoras tem muito a contribuir com o desenvolvimento da nossa sociedade brasileira, que precisa, também, se inserir e dialogar com os países da América Latina e o Sul Global. A participação nos BRICS é fundamental para o reconhecimento de um mundo multipolar e para o Brasil construir sua soberania. Lula é reconhecido como liderança mundial, o que contribui muito com a posição do Brasil no âmbito das nações.

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