A serpente d’água (Helicops boitata), espécie endêmica do Pantanal, está ameaçada de extinção em decorrência dos incêndios que atingem o bioma e se intensificaram desde 2020.
A constatação foi feita por pesquisadores de quatro instituições que estudam os impactos do fogo para a herpetofauna do Pantanal:
- Universidade Federal de Goiás/UFG
- Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade/ICMBio
- Universidade Federal de Mato Grosso/UFMT
- Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal/INPP
Os resultados foram publicados na última semana, na revista científica Biodiversidade Brasileira, do Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Conforme o estudo, a Helicops boitata é uma serpente aquática que ocupa exclusivamente as áreas inundáveis do Pantanal. Em 2020, os pesquisadores encontraram apenas indivíduos mortos da cobra e o fato levantou preocupação para o risco de desaparecimento da espécie.
Os dados foram coletados em seis expedições de monitoramento realizadas entre 2020 e 2023, nos municípios de Barão de Melgaço e Poconé, no Mato Grosso, e apontaram a vulnerabilidade da espécie aos incêndios.
Outros fatores como os hábitos noturnos e semiaquáticos dessa cobra também contribuem para a difícil localização da espécie, segundo a pesquisa. De acordo com os cientistas, as Helicops boitata podem se enterrar durante a seca, o que torna sua detecção ainda mais desafiadora. Assim, os pesquisadores destacam a necessidade na continuidade de monitoramento da espécie.
“Durante a cheia, essa cobra se encontra em áreas alagadas, entre os municípios de Poconé, Barão do Melgaço e Cáceres [MT]. E, na época seca, ela entra nas fendas formadas pela rachadura da lama. Elas são muito difíceis de detectar, tanto na época cheia, quanto na época da vazante, da seca, justamente por esse comportamento”, explica o doutor Epidemiologia Veterinária e analista ambiental do ICMBio, Carlos Abrahão.
Helicops boitata
A cobra d’água endêmica do Pantanal foi descoberta em 2019 em Poconé, no Mato Grosso e as características dessa espécie ainda estão em investigação, conforme Carlos Abrahão.
“A Helicops boitata é recém-conhecida da ciência e o que se sabe é que é uma espécie que, provavelmente, come peixes ou outras espécies aquáticas, como as outras serpentes do gênero Helicops. É um bicho de distribuição muito restrita e o que ela tem de especial é que, talvez, seja o único réptil que é endêmico do Pantanal, não é encontrado em outras regiões, em outros biomas”, explica Carlos.
Ainda conforme o pesquisador, o Pantanal não é conhecido por ter um grande número de espécies endêmicas, e a Helicops boitata pode ser a que conseguiu ser única no bioma.
O nome dado à cobra faz referência à lenda popular do “boitatá”, uma serpente gigante do fogo que habita os rios brasileiros e protege as florestas contra incêndios causados por ação humana.
Impactos do fogo para a biodiversidade
Desde 2020, a intensificação dos incêndios no Pantanal tem sido apontada por cientistas como um dos principais fatores de declínio das populações de répteis e anfíbios no mundo.
Naquele ano, mais de 40 mil Km² do bioma foram devastados pelo fogo, matando 17 milhões de vertebrados, conforme estimam os pesquisadores. Desse total, 237 mil eram répteis, especialmente serpentes e lagartos, e cerca de 10 milhões eram anfíbios.
O Pantanal é considerado a maior planície alagada do mundo e sua área tem cerca de 179 mil km². O bioma está situado na depressão da Bacia do Alto Paraguai e sua abrangência se estende aos territórios do Paraguai (4%), da Bolívia (18%) e cerca de 150 mil km² no Brasil (78%) – nos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.
Para o doutor em Epidemiologia Veterinária, Carlos Abrahão, o atual cenário do bioma revela a fragilidade do Pantanal diante do aumento dos incêndios.
“O que a gente pode tirar disso é que o Pantanal é um ambiente que não é tão resistente assim. Apesar de ter um regime de fogo, de conviver com o fogo, ele não está acostumado com um regime de fogo tão intenso e com secas tão intensas. Então, as espécies endêmicas ou não do Pantanal estão sofrendo com essas queimadas e as populações podem estar sendo extintas, se não as espécies, pelo menos as populações que habitam o Pantanal”.
O pesquisador, que mora em Goiânia, relembra as viagens que fez ao Pantanal para a pesquisa de campo do estudo publicado na revista do ICMBio e diz que encontrou um cenário apocalíptico em 2020.
“O Pantanal, para mim, sempre foi sinônimo de diversidade, de biodiversidade, de muitos animais, de muitos avistamentos o tempo todo, você vendo bichos. É uma coisa deslumbrante, um cenário maravilhoso, de muita vida, de muitas cores. E o que eu vi em 2020 foi um cenário apocalíptico, um cenário completamente diferente do Pantanal que eu conhecia, um local totalmente árido”, lamenta.
(Com informações do g1)